Bem-vindo a Ithildin. Esse texto tem uma resposta em Falando sobre Histórias de Fadas, leia aqui.
Dia desses estava assistindo a um filme que não tem nada de especial mas, no fim, é simplesmente “legal”. Certamente todo mundo já viu um desses. Algumas produções que, de mais a mais, mesmo que a gente preze por bons enredos e tudo o mais, ao final das contas são pura e simplesmente “divertidos”. Isso não acontece só com filmes, obviamente, mas com livros ou mesmo outras coisas menos valorizadas, como alguns jogos ou até estudar alguma coisa que, aparentemente, “não serve para nada”. Até fantasiar é motivo de chacota entre os desentendidos. Por “desentendidos” refiro-me àqueles que não têm a capacidade para tal e, no fundo, por mais que neguem e não admitam, invejam os que conseguem.
Oras, pare e pense, quantas vezes você já ouviu alguém dizer que um filme ou livro que você goste são “inúteis”? Eu nem precisaria dizer, mas é o tipo de mentalidade tecnicista e mercadológica que povoa o pensamento das pessoas hoje em dia. Se não serve para nada, oh não, eu não posso fazer/ler/assistir. Tudo que você faz/lê/assiste precisa servir para alguma coisa ou precisa significar alguma coisa profunda.
Há duas vertentes da ideia da busca incessante pela utilidade das coisas: a primeira é, como eu disse, o pensamento tecnicista e mercadológico. “Mercadológico” no sentido de “perspectiva de mercado”. Todo mundo conhece um desses, se não for um desses ele mesmo. Para esses aí, certas coisas são inúteis simplesmente porque não lhe servirão de nada no seu aperfeiçoamento profissional ou para ajudar a construir a sua “carreira” dentro do mercado de trabalho. No fim, a operação é simples: se não pode colocar no currículo, então não serve para nada. Essas pessoas preferem discutir as aventuras que tiveram no escritório aos personagens que você prefere de determinado filme, livro ou jogo. Nem é preciso dizer que se entedia com cinco minutos de conversa com esse pessoal. Afinal, o que acontece ou aconteceu no seu trabalho, meu amigo, é problema todo seu. O triste é que quase sempre esse pessoal tem esta postura por pura ignorância. “Falta de saber”, mesmo. E o mais triste ainda é que poucos estão dispostos a tentar mudar esse tipo de cabeça.
A segunda vertente é aquela difundida por aquelas pessoas que chamo de proto-intelectuais. Proto porque ainda é uma coisa em formação mesmo, longe de ser algo desenvolvido. E até mesmo porque o esforço até pode ser genuíno, entretanto, demasiado insuficiente. Não uso “pseudo-intelectuais” porque essa expressão já está caduca e foi engolfada pelos próprios proto-intelectuais. Você conhece ao menos um, estou certo disso: são os cults da vida. Esse pessoal tem um problema muito sério: se acham extremamente críticos e inteligentes. São as pessoas que vão reclamar/criticar/condenar alguém por gostar de alguma coisa “inútil”. Na visão deles, claro; o que quer que “inútil” queira dizer de verdade. Também são aqueles que vão procurar analisar cada faceta de alguma obra cinematográfica/literata e afins para então encaixar em alguma pseudo-definição pré-conceituada e superficial que possuem e sobrevalorizam. O que mais enche o saco nesse pessoal é que eles vão querer dizer que um filme/livro ou qualquer coisa é bom porque faz uma crítica político-social dos paradigmas pré-estabelecidos pela sociedade contemporânea. Ou pós-moderna. Se ele usar “pós-moderna”, tome muito cuidado. Frequentemente (e por “frequentemente” entenda de 101 a cada 100 vezes) apenas vomitam as palavras alheias sem realmente se darem conta ou, simplesmente, saber de fato do quê estão falando.
Os dois tipos incomodam muito quando você começa a se manifestar em favor de alguma coisa que eles considerem como “inútil”, por qualquer motivo que seja. Possivelmente vão achar idiota a ideia de você querer imaginar um lobisomem prateado porque “lobisomens prateados não existem”. Eu tenho uma notícia para vocês, críticos da inutilidade: se as palavras e a mente me permitem imaginar e, veja só!, até descrever um lobisomem prateado, então lobisomens prateados existem. Mesmo que num universo que, infelizmente para vocês, não conseguem ingressar. Nas palavras do escritor João dos Santos:
“Se a educação é a arte de cada um se relacionar com outrem
e a pedagogia a arte de ensinar as letras, o sonho é a arte de
relacionar os outros com os fantasmas e os fantasmas com
as palavras. Se o sonho não nos ensinasse a fabricar dragões
e a matar dragões, como havíamos de aprender as palavras e
as letras que nos explicam que não há dragões para matar?
Não se pode ensinar a arte de matar dragões porque não há
dragões para matar….mas quando a nossa fantasia nos diz
que eles existem, não temos outro remédio senão
aprender a matá-los….”
– O Falar das Letras
No final, acho toda esta falta de imaginação e capacidade onírica algo muito triste. Que considerem escapismo, irrelevante ou tolo, reneguem a utilidade do inútil e vejam com olhos preconceituosos e limitados o quão importante é escapar, fantasiar e, simplesmente, divertir-se. Caminhar entre as aquarelas dos sonhos dá novo fôlego para encarar o cinza do mundo, a mesquinhez das pessoas e a infelicidade do “real”. Talvez não vá mudar o mundo ou consertar sua vida, mas nos torna pessoas melhores. Puramente, é divertido, faz sorrir. E o sorriso sempre comprime as lágrimas.
Marcus Vinicius Pilleggi
Gostou? Leia mais sobre este tema no Ao Sugo: em Phantásien! [https://aosugo.wordpress.com/2008/02/14/phantasien/]
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