Early in the 21st Century, the Tyrell Corporation advanced Robot evolution into the NEXUS phase – a being virtually identical to a human – known as a Replicant.
The NEXUS 6 Replicants were superior in strength and agility, and at least equal in intelligence, to the genetic engineers who created them.
Replicants were used Off-world as slave labor, in the hazardous exploration and colonization of other planets…– Blade Runner
É bastante notório para nós, fãs de Jornada nas Estrelas, visualizarmos o futuro da humanidade como algo grandioso, um mundo livre da fome, da pobreza e das doenças que nos assolam nos dias de hoje. David Gerrold[1] já afirmou sobre o aspecto de transcendência dos seriados de Jornada nas Estrelas justamente por todos eles focarem esta visão utópica do nosso futuro, uma vez que, voltados à exploração de novos mundos, novas vidas e novas civilizações teríamos abandonado – ao menos deixado de lado – alguns dos piores vícios do Homem.
Tendo em mente esta visão bastante otimista dos dias vindouros (talvez o grande apelo que conquistou por certo muitos fãs de Ficção Científica ou não lá por volta de 1976), o ano de 1977 ficou marcado pelo choque: surgia nos cinemas Star Wars com uma visão nada boa da humanidade. Como não? Pensem: tecnologia bastante avançada, porém símbolos do futuro e paradoxalmente da decadência, do autoritarismo do Império Galáctico… ou seja, a humanidade estaria condenada talvez pelo progresso e pela Ciência, algo que tanto valorizamos há pelo menos 200 anos… Mas não, estou muito longe de querer colocar Star Wars no meio da produção cyberpunk, não tem nada a ver, apenas queria mostrar que várias pessoas nas décadas de 1960 e 1970 pensavam num futuro problemático…

Pois é, desde os anos 60 do século passado que a Ficção Científica começava a duvidar do motor que a criou, o progresso e a ciência, reflexo dos problemas sociais e ambientais que começavam a pipocar num nível exorbitante em todo o mundo. Aí surgem os “pais” do que no futuro seria chamado do “Movimento”, posteriormente “movimento cyberpunk”, por exemplo com Philip K. Dick e seus Replicantes em Do Androids Dream of Electric Sheep, livro que posteriormente inspiraria a grande obra do cinema Blade Runner (e que no Brasil ganharia a tradução porca de O Caçador de Andróides) , ainda visto injustamente com receio por muitas pessoas (e que, depois merecerá um outro artigo meu comentando sobre as diferenças – gritantes – entre o livro e o filme de Riddley Scott). De qualquer maneira, as bases deste movimento estariam fundamentadas portanto não na utopia propiciada pelo avanço tecnológico, mas sim numa distopia, uma visão degenerada do futuro em que a humanidade estaria colhendo os frutos – e por que não dejetos – de todo este progresso científico e industrial que ela mesmo criou.
Pois bem, em 1983 o termo “cyberpunk” seria criado por Bruce Bethke e popularizado por Gardner Dozois para identificar este novo ramo da Ficção Científica que encarava o futuro da humanidade de modo extremamente pessimista, com grandes cidades super povoadas, poluição de todos os tipos, doenças diferentes, drogas diferentes – mais poderosas e amplamente distribuídas, mundo em que a ciência e tecnologia de ponta seriam capazes de fazer verdadeiros milagres como a realidade virtual plena, a Inteligência Artificial, etc, ao mesmo tempo que seria uma faca de dois gumes ao produzir novos tipos de viciados, technautas presos ao cyberespaço e à imaterialidade do mundo virtual.

A primeira frase do livro que marcou o surgimento do “Movimento” – Neuromancer, de William Gibson, demonstra com bastante pessimismo o futuro: “O céu por cima do porto tinha a cor de uma TV ligada num canal fora do ar”[2] , um céu nublado, cinza, coberto pelos gases das grandes indústrias, pela poluição feita pelos carros e por aí vai. Hoje em dia muitas pessoas encarariam o cyberpunk como prenúncio do nosso presente ou mesmo enquanto um movimento visionário que de fato está acontecendo, aos poucos. Duvida?
Pensemos na realidade cotidiana apresentada em Neuromancer por exemplo. Um mundo dominado pelas grandes corporações, globalizado pelos transportes, comércio e telecomunicações, onde pessoas teriam acesso em tempo real ao que acontece em qualquer canto do planeta, só poderia mesmo existir uma população – majoritariamente urbana – alienada: como já dizia um dos grandes pensadores da sociologia alemã Georg Simmel, uma das características do mundo moderno nas cidades é que, frente a tantos símbolos e sinais a serem interpretados pelos nossos sentidos, só poderíamos encarar o cotidiano com apatia. Imaginem um dia de trabalho numa grande metrópole infestada de gente por todos os lados, 24 horas por dia, com um céu cinzento, com um barulho infernal nas ruas por conta do trânsito… você só poderia mesmo tentar ignorar tudo isso ou encarar de modo apático esse estilo de vida para poder continuar e enfrentar o próximo dia, não é? Bem, quem diria, se era um prenúncio de um futuro não muito distante, me parece uma descrição muito boa de um dia na cidade de São Paulo de hoje…

Esse pessimismo todo no final das contas possui um fundamento, uma quase ideologia, um objetivo do tipo “psicologia reversa” bastante eficiente, a reinvenção da humanidade talvez. O quê, como? Pois é, esse industrialismo exacerbado, esse progresso sem fim, uma vida rodeada por máquinas e por tecnologia deveria talvez forçar os humanos a se pensarem novamente, a se reinventarem. Não estou de brincadeira, já que esta visão já é partilhada por vários pensadores das Ciências Humanas (dilema já chamado por nós na academia como paradoxo da ciência), como tentaremos mostrar para você leitor nos nossos artigos do Portão de Tannhauser. Essa é a lógica mais plausível para o Blade Runner, em que homens, em contato com máquinas que imitam homens, se reafirmam definitivamente enquanto homens e assim reafirmam a humanidade.
Para irmos direto ao livro de Dick, “sonhar” com animais não-artificiais seria apenas a ponta do icerberg para pensarmos na complexa dicotomia entre “homem e máquina”, sentida agora na pele por nos confrontarmos com outros seres humanos… artificiais. Complicado, eu reconheço… Nesse sentido, longe de ser apenas mais um fenômeno artístico-literário da “contra-cultura” dos anos 80 (seja lá o que for isso), o movimento cyberpunk teria como ponto de partida a introspecção do leitor, telespectador, observador em encarar todas as atrocidades que estamos cometendo para, quem sabe, parar, nos dar uma nova chance, dar uma nova chance à humanidade. Isso, falar de Replicantes não quer dizer refletir unicamente na condição destes novos seres não-artificiais na sociedade contemporânea, mas sim refletir de fato no estatuto de uma humanidade em constante mutação. No fundo, nem é tão pessimista pensar assim, não é?
Victor Hugo, Technauta

Sony Center de Berlin (incidências do movimento cyberpunk na arte e arquitetura)
Notas:
1 – BLISH, James & LAWRENCE, J.A. 1997. Star Trek – Episódios da Série Clássica Adaptados por James Blish, São Paulo: Editora Mercuryo
2 – GIBSON, William. 2006. Neuromancer, 3ª Edição, 4ª Reimpressão, página 11






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