
No início de janeiro desse 2015, o mundo sensibilizou-se em oposições depois do atentado à redação do periódico humorístico Charlie Hebdo (se você não sabe, informe-se). Contudo, em meio às manifestações de Je suis Charlie e Je ne suis pas Charlie, ensejou-se também o questionamento a respeito dos limites da liberdade de expressão e se ela, em toda sua romântica glória libertina, deve ou não ter limites impostos.
Aos fanáticos em ambos lados falta, entretanto, a noção de que não se pode confundir a solidariedade às vítimas de um ato violento com a concordância – ou não – com a linha editorial praticada pelo periódico, assim como aconteceu no Brasil no passado com publicações como Pasquim, Lampião ou Pif-Paf, tampouco que se deve resumir uma questão relevante a um embate dicotômico que tem, em seu cerne, falhas nos dois lados, cada qual com seu discurso abjeto.
A liberdade de expressão é um conceito democrático e, como tal, surgiu nos tempos da Grécia antiga. Os mesmos tempos em que Aristóteles, em toda a celebridade do democratismo, dizia que trabalhos manuais deveriam ser executados por escravos para que os cidadãos do demos (a cidade) pudessem ocupar-se da política. Não incomum, a liberdade de expressão pode, em si mesma, impor grilhões em outros ramos sociais e não pode ser utilizada como desculpa para se dizer o que, como e quando quiser.
Não é uma questão de relativizar essa liberdade, mas, sim, de entender que ela encontra barreiras dentro das leis que convergem todos numa sociedade – a mesma que deu esses direitos em primeiro lugar. Um comentário racista ou homofóbico, ainda que feito sob o escudo da “liberdade de expressão”, do “humor” ou da “sátira”, não deixa de ser um comentário racista ou homofóbico e que, se levar à violência é, em si mesmo, um ato criminoso.
No caso de Charlie Hebdo, não era incomum que muitas de suas charges fossem utilizadas – ainda que fora de contexto – como alternativas de propagação do preconceito, no caso, contra a população islâmica. O Estado da França, menos afoito a abordar seus artistas por suas obras e pelo princípio da liberdade de expressão, nunca condenou os autores. Ainda que suas publicações pudessem, a alguns olhos, ser efetivamente difusores de estigmas. Aqueles que tencionam derramar suas ideias ou enredos por aí na forma de contos, livros, fotos, pinturas, esculturas ou qualquer manifestação artística, entendam que, uma vez criada, sua obra atinge o escopo doutros olhos e está sujeita a interpretações diversificadas, não importando sua intenção ao desenvolver aquele trabalho em primeiro lugar. Assim que saem de você, suas palavras não são mais suas para reclamar.
Nada, por outro lado, justifica o uso da violência para rejeitar tais interpretações. A violência, diria Isaac Asimov, é o último refúgio do incompetente. A pior maneira de responder a um crime é pela execução de outro crime. Por isso, a pena de morte, com todas as suas idiossincrasias, é um método ineficaz de retenção criminal. A partir do momento em que mata alguém para provar o seu ponto, você está errado.
Marcus Vinicius Pilleggi