
Esse aqui é mais um dos projetos ousados de Mel Gibson. Décadas antes, poucos, muito poucos, poderiam dizer que o detetive Riggs de Máquina Mortífera acabaria sendo um diretor de idéias tão mirabolantes. Depois de A Paixão de Cristo, o velho Gibson traz, através da Icon, sua produtora, uma película curiosa. Para dizer o mínimo. Dialetos antigos, fortes e realistas cenas de violência e uma estória histórico-lendária povoa Apocalypto, de 2006.
O cenário é a civilização Maia. Como nem todos sabem (na verdade, possivelmente quase ninguém), o “império” Maia não era tanto assim um império. Existia sim uma “capital”, mas os Maias eram divididos em inúmeras tribos. A maioria delas desconhecia a tal capital, ou o seu “rei”. Na verdade não existia uma “nação” Maia, como podemos dizer dos Astecas, por exemplo. Era mais uma divisão geográfica que qualquer outra coisa.

Enfim, aulinha de lado, vamos ao filme. O megaplot é simples: o tal do império Maia enfrenta um declínio e o rei e os sacerdotes acreditam que a construção de templos e um número maior de sacrifícios são vitais (entenderam o trocadilho? Sacrifícios vitais). Dentro desse fuzuê existe o condutor do longa: encontramos o personagem principal, Jaguar Paw (ou Pata de Jaguar), que vive num vilarejo tranqüilo e numa vida comum, avesso às grandes maquinações do tal império que, lembrando, não era bem um império do tipo “Puxa mas que beleza de Império!”. Até que seu cotidiano é afetado por um repentino ataque de guerreiros do, bem… império. Praticamente todos os membros da sua tribo morrem e as crianças são deixadas para trás. Alguns deles, contudo, são escolhidos como sacrifício. Jaguar Paw entre eles, capturado logo depois de esconder sua mulher grávida e filho.
A partir daí, vemos a jornada de Jaguar Paw até a capital do império Maia, e o desenrolar é bastante dramático. Ao ponto de, em alguns momentos, tornar-se cansativo. Mas o destino do feroz caçador, ao que parece, não era aquele, pois ele consegue escapar e então demonstra todo seu conhecimento superior de terreno numa incansável caçada para derrotar seus adversários e salvar sua família e, daí, procurar um novo começo. Nem mesmo a estranheza e magnificência dos recém-chegados espanhóis conseguiram desviá-lo de sua missão. Como usual nos filmes em que Mel Gibson tem grande poder de edição (leia-se naqueles que ele dirige), um elemento místico/mítico/inexplicável se faz presente através de personagens ou fenômenos não-óbvios.

Uma rápida análise, já que críticas de cinema quase sempre são entediantes. Eu classificaria o filme como, no mínimo, “legal”. Do tipo daqueles em que numa cena você diz “bom” e na seguinte diz “lixo”. Felizmente, isso não acontece com freqüência, o que possibilita que se assista ao filme como uma boa aventura. E, no final das contas, ele cumpre a função primordial do cinema: entreter. É muito bem produzido, não há dúvidas. A direção é interessante, apesar de não ser brilhante. Houve um cuidado especial em relação aos atores, já que nenhum deles é conhecido e todos são descendentes de tribos maias ou muito parecidos com isso (o ator que interpreta Jaguar Paw tem até nome de índio: Rudy Youngblood). Os efeitos especiais não são muitos e bem utilizados, por não serem exagerados ao ponto de parecerem falsos (Mel Gibson parece até ser outro diretor com quem acho que o George Lucas precisava aprender alguma coisa, mas daí eu me lembro que ele é o milionário, e não eu). O figurinho é fantástico. E ainda existe um adendo: o filme é todo falado em maia. Entretém, é ousado e tem uma estória que, ainda que tenha pontos cansativos em alguns momentos, consegue prender a atenção (especialmente no terço final do filme, quando a ação aumenta na forma de uma caçada e é praticamente ininterrupta).
A parte negativa é a falta de mais brilho numa idéia tão interessante. Fruto, creio, da dificuldade de se fazer um filme como esse. O uso do maia, apesar de extremamente interessante e bem-aplicado, atrapalha na expressividade dos atores, que muitas vezes deixam evidente que não sabem bem o que estão falando. Este problema é recorrente com Mel Gibson: vemos a mesma falha em A Paixão de Cristo, já que o aramaico não é o forte de ninguém, apesar de ele ter conseguido, em ambos os filmes, um resultado final proporcionalmente melhor do que Peter Jackson e seu povo falando élfico.
De qualquer maneira, o filme vale a pena por sair um pouco do lugar comum. Um longa sobre indígenas, do ponto de vista indígena, falado em língua indígena que tenha uma qualidade de produção como Apocalypto merece um pouco de apreço por parte do público. Eu já sei que muitos vão se incomodar com algumas das cenas de violência. Há certos exageros, evidentemente (é do Mel Gibson…), mas vale a pena gastar umas duas horas para ver. Não é brilhante, mas ao menos não é pseudo-erudito ou intelectualóide como muitas produções de hoje tentam ser. É simples e direto, e, ao menos, interessante.
Marcus Vinicius Pilleggi






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