
Quando Alan Moore viu o roteiro da adaptação de V de Vingança, um de seus quadrinhos mais famosos, disse que a adaptação estava “fraca”. Opinião de autor é opinião de peso, mas como Alan Moore não se pôde dar ao luxo de participar da produção como fez Frank Miller com seu Sin City (afinal ele não detinha os direitos sobre a HQ), era de se esperar que ele visse vários defeitos e problemas ao notar aspectos de sua obra alterada.
Mas V de Vingança não é como Sin City; não é uma transposição fiel do quadrinho para a tela. É verdade que muitas coisas mudaram, mas a essência permanece. O quadrinho foi publicado lá na primeira metade da década de 1980; de lá até então, muita coisa mudou, inclusive consensos políticos de massa, de modo que a idéia certa modificação à nossa realidade é até razoável. Deixaram a Evey mais “adulta”. Da adolescente ingênua da HQ a uma mulher de idéias e aspirações mais definidas na tela; o que é até compreensível pelo tempo de evolução do personagem na tela, que é consideravelmente menor do que nas páginas do gibi. A interpretação de Natalie Portman está passável: não dá o show de Closer mas não é o soco no estômago de Star Wars.
Talvez o aspecto mais decepcionante do filme seja o V, mesmo; ao menos para quem leu a HQ; sim, o personagem é engajado, mostra força e decisividade e é extremamente culto. Torna-se um líder. Eis o problema, entretanto: o V dos quadrinhos não é um líder, muito pelo contrário, ele é apenas um agente. A idéia do V anarquista da HQ, convicto, decidido do começo ao fim, forte e imune a sentimentos muito mundanos, capaz de assumir a violência como necessária, em que Alan Moore demonstra a força de um só indivíduo, capaz de derrubar todo um estado, é substituída por V vacilante e indeciso, até mesmo apaixonado. Não que isso torne o V das telas um personagem desinteressante, de fato, não o faz, mas não é como o personagem das páginas impressas, que jamais deixaria para o povo o andamento da nova sociedade depois do fim do Parlamento. Hugo Weaving está não menos que fantástico; seu rosto não é mostrado durante o filme todo e mesmo assim o ator consegue passar mais expressão do que toda a trupe de atores do filme juntos; méritos à voz marcante e sua dicção perfeita.
Sim, como é de se esperar, confrontado com o quadrinho, o filme V de Vingança sai em desvantagem. Entretanto, é assim com todas as adaptações. Quem leu a HQ ficará menos agraciado com a obra cinematográfica do que quem não leu. Mas, novamente, isto é característico das adaptações. Faltaram alguns pontos aqui e ali e certas pontas ainda precisavam ser amarradas.
Mesmo assim, o filme ainda é bom. Critica regimes, conformismo e os símbolos materiais da sociedade, de forma menos evidente e agressiva como nos quadrinhos, mas nem por isso menos eficiente. A produção é competente e a interpretação é bastante agradável. Não é uma adaptação fiel, como raríssimas vezes acontece, mas a essência se manteve. Para quem, como eu, não esperava nada (graças ao julgamento de Alan Moore), o filme foi bastante satisfatório. E para quem não gosta de filmes com engajamento político e discursos e blá blá blás politizados, o filme é uma bela aventura ao som de Tchaikovsky.
Marcus Vinicius Pilleggi
Um pequeno comentário – Guy Fawkes foi um soldado inglês e católico conhecido pela Conspiração da Pólvora de 1605, a tentativa de assassinato do rei protestante Jaime I e da explosão do Parlamento Britânico como forma de instigar uma revolução geral. Preso na Noite das Fogueiras, foi acusado de levante católico e traição, sendo torturado e assassinado pouco tempo depois. Acho extremamente curioso o uso de máscaras de Guy Fawkes nas manifestações no Brasil em 2013, adotando um “herói” inglês – já ressignificado pela história de Alan Moore – como símbolo de um descontentamento nacional. E ainda gritam “tenho orgulho de ser brasileiro”… pois bem. (Victor Hugo)






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