
Assisti neste domingo a um documentário no The History Channel chamado “Cidades Ocultas” que sempre conta sobre os subterrâneos ou alguns segredos sórdidos de alguma cidade famosa, desta vez falando sobre os túneis secretos de Portland, Oregon. De acordo com o programa, dada a corrida do Ópio e a escassez de marinheiros para perfazer a rota dos EUA/Inglaterra até a China no século XIX , vários traficantes de escravos – brancos – construíram embaixo de Portland toda uma rede de túneis subterrâneos onde mantinham bêbados das tavernas da região, prostitutas e demais desafortunados destinados ao tráfico, tudo embaixo dos pés dos habitantes da cidade… Imaginem a situação, você está jantando na sala com sua esposa e filhos… um belo Peru de Ação de Graças… Ao mesmo tempo em que, bem debaixo dos seus pés, não só alguém é mantido em cativeiro como existe uma outra cidade, com suas rotinas e cotidianos sem a menor chance de ver a luz do Sol.
Alguns diriam “absurdo”, já o Spock diria fascinante. De acordo com o documentário até hoje parece que os traficantes de drogas modernas utilizam os subterrâneos como maneira de conduzir suas atividades, isso, em 2008. Bem, a história é boa, faz a gente imaginar coisas. Aliás, perdoem o chavão, mas imaginar coisas inimagináveis sobre o dia a dia destas pessoas que vivem embaixo da gente. Adivinhem quem bolou uma história deveras genial sobre o submundo de Londres, só que na verdade a Londres-de-Baixo? Aham, ele mesmo, Neil Gaiman, criador da famosíssima série de quadrinhos adultos Sandman, renomado autor de obras já comentadas aqui no Ao Sugo como Stardust, Mirrormask e Coraline…
A história é a seguinte. Em 1995 a BBC convidou Neil Gaiman, já aclamado e considerado um dos responsáveis por elevar o patamar dos quadrinhos, a escrever uma mini-série de televisão a ser exibida na BBC 2 em conjunto com Lenny Henry. Nunca tendo escrito nada para a televisão, Gaiman aceitou o desafio e escreveu “Neverwhere” ou, como traduzido no Brasil, “Lugar Nenhum”. Tal mini-série contaria a aventura à la Alice In Wonderland de Richard Oliver Mayhew em uma Londres desconhecida da maioria dos seus habitantes e dos turistas, a Londres-de-Baixo, composta por uma série de túneis (inclusive alguns reais e existentes mesmo, como os abrigos antiaéreos criados pelo governo britânico na Segunda Guerra Mundial e que ficam vários metros abaixo da rede de metrô…) habitados por gangues, prostitutas-veludo, condes, padres e até mesmo um anjo.
Impossível de ser vista pelos moradores da Londres-de-Cima, Mayhew conhece a cidade subterrânea por acidente. Quando sai com sua namorada para um jantar importante, decide ajudar uma adolescente caída na calçada com manchas de sangue por toda a roupa. A adolescente Door (Laura Fraser) seria a única sobrevivente do massacre ocorrido na Família do Arco, vivendo escondida nos subterrâneos em fuga desenfreada dos assassinos de sua família.
Assisti ao seriado há alguns meses atrás, assim como li o livro lançado aqui no Brasil pela Conrad pelo nome “Lugar Nenhum” e confesso que no começo fiquei desapontado pela apresentação da trama. Tudo estava indo muito bem, apesar de ser muito parecido com Mirrormaske Coraline, este último destinado à criançada. Aparentemente o protagonista entraria num universo alternativo bastante próximo e ao mesmo tempo bizarro o suficiente para causar o questionamento se tudo aquilo é um sonho ou se é a mais pura realidade, nua e crua… Ok, continuei a leitura, agora com uma parcela de preconceitos e até mesmo decepção (afinal, para mim Gaiman se mostrava como repetitivo na escolha dos temas e no desenrolar das suas histórias; óbvio que subestimei o pobre mancebo injustamente…). A trama intrincada do livro e das aventuras de Mayhew faz dele um personagem muito próximo e muito longe da pobre Alice ao visitar seu Mundo do Espelho, contudo, sem afastar a história principal de eventos do nosso próprio cotidiano urbano.
Considerado pela crítica como uma das melhores histórias do subgênero “Fantasia Urbana”, “Neverwhere” ganhou na Inglaterra e nos EUA um box especial de DVDs, artefato que muito provavelmente não chegará nas terras tupiniquins por ser bastante restrita aos adultos que curtem este subgênero da Fantasia (aham, os que estão dispostos a abrir mão da novelinha dos nove em busca de algo diferente). A mini-série também contou com problemas de orçamento quanto à fotografia e ao formato. Inicialmente acertado de que a produção seria filmada em 35mm, todos os preparativos para a fotografia foram voltados para este tipo de película, até serem informados no último momento que a BBC rodaria o seriado em vídeo standard para a televisão por corte de orçamento, causando uma impressão um tanto quanto esquisita do produto final. Para aqueles que conseguiram colocar as mãos num destes DVDs, não desanimem e encarem talvez até mesmo como um diferente recurso estético, uma vez que o enredo e a interpretação não decepcionam em nenhum momento.
Lançado em quadrinhos pela DC Vertigo com a adaptação de Mike Carey e desenho do capista de Preacher, Glenn Fabry, “Neverwhere” em gibis apresenta os mesmos personagens com um visual bastante diferente, apesar do eixo principal seguir fielmente o enredo do livro. A versão em livro foi escrita meses depois da mini-série ter sido lançada na televisão, contando mais detalhes da vida de Mayhew e sua aventura, apesar de não possuir nenhuma alteração drástica no enredo apresentado na telinha. Longe de ser uma novelização, Gaiman aproveitou os roteiros escritos por ele próprio para desenvolver melhor a Londres-de-Baixo do que a vista na mini-série britânica. Para os que já conhecem o trabalho do autor, mais uma vez vale o meu comentário de que considero o escritor como um dos mais versáteis da atualidade, impressão que tive logo no primeiro momento em que li Stardust e vi sua versão para a telona (aliás, uma destas adaptações gigantescas e que difere bastante do livro, apesar deGaiman ter segurado como roteirista as rédeas e não deixado o filme menos belo ou menos interessante).
Leitor de Sandman desde 1992 (isso, eu sou colecionador de Sandman desde os primeiros fascículos lançados pela Editora Globo na década de 90 e não as novelas prontas lançadas recentemente pela Conrad), mesmo tendo um enredo e uma temática bastante diferente, recomendo “Neverwhere” a todos vocês leitores do Ao Sugo, principalmente àqueles que adoram o gênero da Fantasia ou mesmo que querem sair do lugar comum. E aqui me despeço usando as palavras de Gaiman em Sandman: bons sonhos.
Victor Hugo
Como, apesar de ter a série e o livro, ainda não vi nenhum dos dois (e me lamento por isso, mas é a vida…), me limito a elogiar seu texto!
E mais uma vez, viva Neil Gaiman!!
nÃO VÍ A SÉRIE PORQUE GOSTEI MUITO DO LIVRO E TENHO MEDO DE ME DECEPCIONAR.
Caro Pedro,
Como você já deve saber, o livro Neverwhere de Neil Gaiman foi na verdade um produto confeccionado e lançado depois do seriado, portanto, é evidente que ele é melhor acabado no sentido da produção de detalhes não existentes no seriado. Por sua vez, o seriado guarda as melhores características do autor que não apenas escreveu a história como supervisionou a produção, sem contar a vinheta de abertura belíssima e que faz a nós fãs nos sentirmos em terreno seguro.
Todavia, como comentei no artigo supracitado, o “problema” de Neverwhere e que me incomodou bastante quando assisti é o fato de ter sido um seriado de baixíssimo orçamento, criando dificuldades já mesmo no processo de fotografia/filmagem. A utilização de lentes voltadas para a TV com uma fotografia criada para o cinema gera um desconforto latente ao telespectador, o que é ruim, mas que também pode ser considerado (mesmo sem ter sido esta a intenção dos produtores) como parte da proposta do show.
Vale muito a pena assistir para conhecer esta fase do Sr. Gaiman, fase esta que não devemos esquecer – uma das senão a melhor fase do autor, o momento quando ele ainda escrevia Sandman. Bons sonhos,
Victor Hugo
Putz… aor quero assistir o treco!!! e pretenod ler tb…fiquei curioso…. Parabens pelo texto….
[]s
Estava começando a coleção da mensal Vertigo da Panini, mas desisti. Odeio mix de histórias. Vou arranjar um dia desses o encadernado em inglês e o livro. Curti muito o traço e a história prende a atenção, muito bom!
Mais uma vez o Ao Sugo acerta em cheio 😀
Abração
Sabe que particularmente eu também não gostei desse mix “Vertigo”… Assim, como colecionador de HQs há anos (e que agora estão infelizmente a quilômetros de distância, rs), sempre gostei dos fascículos de Sandman, Hellblazer, etc. E você lia rapidinho e quando terminava já queria ler o próximo, isto é, se você tivesse o próximo, senão, só no mês que vem… Agora, esse mix de histórias você acaba comprando gato por lebre: histórias que não te interessam, sem contar que me pareceu um pouco mais difícil pra conseguir as edições anteriores perdidas…
Aé,
Não tenho coragem de ver a série. No way. Muito ruim, embora desse mesmo um ótimo filme!
Rs, a série é boa, mas você tem que assistir de mente aberta, rs. O livro é muito melhor, sem dúvida… mas em todo caso, vale a pena ter os dois em casa como um tipo de troféu nerd, ahah.
Depois que completar minha lista de livros aqui vou arranjar o livro e os quadrinhos tb. 🙂
Os quadrinhos dá pra dispensar… Mas o livro e a mini-série (tv)…