Sou um pouco suspeito de escrever sobre Duna. Simplesmente a considero a maior obra de ficção científica (e até fantasia, se for o caso e se for possível comparar) de todos os tempos.  E vou dizer, aqui no Ao Sugo, por que raios da conta eu a considero a obra.

Sabe quando alguém vem e te conta, enquanto você está tomando um chopp e beliscando uns piriris, como as pessoas lutaram pelo que acreditaram, passaram sufoco e ainda assim atingiram o “Equilíbrio da Força”? Pois é. Quando alguém vem com esse papo eu me lembro de imediato da história do Frank Herbert. E quem é Frank Herbert e o que tem a ver com Duna, cara pálida? Tudo. Frank Herbert foi o visionário que escreveu Duna. E para escrever essa obra (e suas seqüências literárias) ele, como se diz, teve de “ralar” muito.

Frank Herbert foi o chamado “Bombril – mil e uma utilidades”. Foi cameraman, mergulhador, jornalista, redator de discursos para políticos, etc. E quanto a essa última ocupação profissional foi a que mais me chamou atenção. Enquanto escrevia Duna, escrevendo a série de forma paralela, ou seja, um pouco de Duna, depois dos Filhos de Duna, depois retornava ao Messias de Duna, daí voltava a Duna e por aí vai, ele tentava ganhar algum trocado para a família com esses discursos para candidatos a cargos representativos nos Estados Unidos, mas quem segurava as pontas na casa de verdade era sua esposa. E ela, como diria o filósofo Seu Creysson, “agarantia” as coisas, enquanto esperavam pelas respostas das editoras. E sabe quais foram as respostas que vieram? “Seu livro é muito complicado, muito grande, seiscentas páginas, não vai vender nada”.

Não devia ser fácil de escutar esses tipos de respostas. E tenho certeza que não era. Mas por que Duna, segundo esses editores que recusaram a publicação do livro, era “complicado”… sendo que quando foi lançado vendeu mais de 1 milhão de cópias apenas nos Estados Unidos?

Vamos lá.  Duna é um nome alternativo ao planeta Arrakis. Esse planeta, essencialmente, é constituído em sua totalidade por um grande e vasto deserto habitado pelos Vermes de Areia, criaturas gigantescas que produzem a melange ou especiaria, “condimento” fundamental para a vida humana não apenas em Arrakis, mas em todo o universo onde existam comunidades humanas. Mas não são apenas os Vermes de Areia que habitam Arrakis, mas também os humanos denominados Fremen, uma espécie de “povo da areia” com uma religiosidade muito forte bem como um código de conduta no qual a coisa mais sagrada é a água, elemento raro e por isso fundamental para a vida humana, incorrendo na busca de sua preservação e aproveitamento a todo custo, com os trajes destiladores que absorvem o suor e tudo mais do corpo humano que contenha o sagrado líquido até práticas de “beber o defunto” e aproveitar sua água. Nesse sentido, os denominados recursos naturais são fundamentais para os fremen, seja na forma da água, seja na forma da melange.

A melange/especiaria possibilita ao ser humano atingir um nível de percepção de realidade “extremo”. Pode-se, com o consumo da melange, “guiar astronaves” através do espaço, é possível visualizar o futuro através da Presciência ou então adicionar tempero à comida do dia a dia. Os efeitos colaterais? Um deles é ter o “azul sobre o azul” nos olhos e o outro é a dependência. Uma vez “no mundo da melange”, sempre no mundo da melange.

E é por isso que o planeta Arrakis, mesmo sendo um gigantesco deserto, tem tanto valor para o Império e todas as Grandes Casas. Eis o ponto de partida do livro. Uma das Grandes Casas, Harkonnen, perde a gestão, digamos, do planeta Arrakis, e outra Casa assume, a Atreides. E ambas as Casas têm um conflito milenar uma com a outra. No centro de toda a questão está o filho do Duque Leto Atreides, Paul, o personagem central da história. De simples garoto treinado por sua mãe, Jessica, uma Bene Gesserit (uma “casta” de sacerdotisas guerreiras), ao Messias de Duna esperado pelos Fremen e Imperador. Paul Atreides torna-se o Escolhido e isso lhe cobra um preço. E na sua trajetória, narrada no livro, toda a importância social, econômica, religiosa e ecológica de Arrakis se manifesta, numa verdadeira jornada do herói, como tão bem analisou Joseph Campbell.

Duna é um livro que aborda aspectos pouco usuais dentro da Ficção Científica. Como obra de ficção científica, antecipa uma série de fatores que hoje não deixam o noticiário de televisão, como a transformação que a humanidade imprime ao meio ambiente e os efeitos, muitas vezes, perversos sobre as populações, a importância e demanda crescente de recursos naturais para retroalimentar um sistema econômico (muitos apontam que a melange corresponde ao petróleo, numa comparação livre), a transformação social através da religião e os riscos do fanatismo religioso e como a política manipula, quando bem quer, a religião, etc.

Como havia dito antes, Duna é uma obra completa, são mais de seiscentas páginas de conteúdo espetacular e de uma experiência literária única. Já li o livro cinco vezes, provavelmente mais adiante lerei uma sexta vez. E toda vez que o releio, me surpreendo com algum aspecto que me passou desapercebido. E também, toda a vez que releio, sinto uma vontade danada de acrescentar um pouco de melange num refogado de soja com tomate e cebola que preparo aos finais de semana.

Ben Hazrael, especial para o Ao Sugo

Leia mais sobre Duna no Poliarquias:

A sombra do Leviatã Galáctica em Duna

7 respostas para “Quer um pouco de Melange?”.

  1. Já divulguei. Me deu saudade de ver o filme. Tinha pedido no submarino essa semana 😛 Queria ter a do Hurt e a outra. O livro é complicado de achar um com capa descente. Acho que vou comprar em inglês.
    Bom, só digo que vcs acertaram em cheio com esse artigo 😛
    Abração ae

    1. Não consigo encontrar o primeiro livro aqui no Japão. Já encontrei todos os demais, mas o primeiro, necas… O filme eu revi há pouco tempo, mas é muito ruim… A mini-série do SciFi Channel é deveras elegante…

  2. Já lí o livro várias vezes. Depois, recentemente li “Os Heréticos de Duna”. Tenho o filme original “Duna” de Rafaella de Laurentis, onde aparecem Sting e Patrick Stewart (capitão Picard, Professor Xavier). O filme deixa a desejar, mas é compreensível. Não é possível resumir num filme as mais de 600 páginas do livro.
    Prefiro a minissérie em três capítulos que foi exibida na Net. (ainda vou comprar essa minissérie, se é que a encontro).
    Parabéns pelo post. Vou divulgá-lo no twitter.

  3. Avatar de Felipe De La Sierra
    Felipe De La Sierra

    Gostaria de ler,todos os livros desse cara mais começo é começo vou ler o dona,e termina-lo.Assisti o filme dona 1,com o Sting,exelente,recomendo a todos.

  4. Olá pessoal,
    Alguem sabe dizer aonde posso encontrar estes livros?

    Obrigado

    1. Olá Hérlon,

      Tudo bem? Agradecemos pela visitação e esperamos que continue visitando o Ao Sugo!

      Sobre os livros, o primeiro deles, Duna, foi finalmente relançado agora pela Aleph e você pode encontrar nas livrarias normalmente. Custa em média R$ 56,00 na cotação atual e é um livro que vale a pena ter em casa para compôr a sua biblioteca de Ficção Científica (o Hazrael já diria que é obrigatório, rs).

      Os outros livros foram lançados pela Editora Nova Fronteira há vários anos e estão infelizmente esgotados na maioria das livrarias, inclusive nas online. Caso você tenha sorte, você pode consegui-los em sebos ou em livrarias menores. Imagino que com o relançamento do Duna pela Aleph os outros livros deverão chegar nas prateleiras logo mais, se possível ainda pela mesma companhia. É a única editora nacional que está devotada no lançamento (e relançamento) de títulos Sci Fi.

      Existem duas minisséries além do filme. As minisséries são consideradas extremamente fiéis aos livros e foram produzidas pelo Sci Fi Channel há algum tempo. Duna e Os Filhos de Duna foram lançadas em DVD… já o filme original, do David Lynch, você pode encontrar em DVD, uma versão Estendida e em Blu-Ray. Porém, cá entre nós, não conheço ninguém que tenha gostado do filme, apesar de ter ele aqui em casa…

      Espero que tenha ajudado e não hesite em enviar mais comentários e/ou dúvidas.

      Abração,
      Vida Longa e Próspera

      Victor Hugo

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