Imagem: D&D5th, Tyler Jacobson, 2014
Antes de qualquer coisa, peço a licença de já afirmar que isso não é um review. Hoje, o objetivo não é esse. É só conversar. Há alguns anos, quando fiquei sabendo que a Wizards of the Coast estava planejando uma nova edição de Dungeons and Dragons, de início sobressaltei-me. Afinal, após o fiasco da 4ª Edição e, mesmo antes, dos rumos descontrolados a que fomos lançados na edição 3.0/3.5 – que é muito boa, mas foi engolida por inúmeras mecânicas como níveis épicos e um quintilhão de classes de prestígio – era razoável supor que teríamos mais uma vez uma nova edição fundamentada nos ERPG, ou Eletronic Roleplaying Games, vulgo “RPGs de videogame” (que, por mais legais que sejam, não sao RPGs, mas eu já falei sobre isso antes).
Com notícias que iam chegando com o tempo, contudo, o medo começou a ser substituído por tímida antecipação. Os desenvolvedores estavam levando em consideração a opinião de jogadores em fóruns e em playtests em que testavam as mecânicas sugeridas para classes e raças. A intenção, ao que parecia, era realmente eliminar o gosto ruim deixado pela 4ª Edição, um lançamento tão equivocado que até mesmo as mudanças efetuadas em Forgotten Realms, um dos mais icônicos universos de RPG que existem, foram feitas sem consentimento – nem sequer consulta – de seu criador, Ed Greenwood.
Imagem: D&D5th – Tyranny of Dragons, 2014
Quando começaram a sair algumas prévias da nova edição – alcunhada de D&D Next, um nome que não pegou tanto quanto D&D 5ª Edição ou D&D 5th – o receio passou a virar anseio. Vislumbres da arte na tríade básica, ou core, do sistema (Livro do Jogador, dos Monstros e do Mestre) levantaram os ânimos. De forma diferentemente elegante, lembravam-me artes do antigo AD&D Segunda Edição (cujos jogadores brasileiros devem lembrar-se pela edição de capa preta da Abril Jovem), abandonando o visual jovial e meio animê do final da 3.5ª e 4ª edição.
Era realisticamente fantástico.
E parece que foi com esse mote que, em meados de 2014, fomos presenteados com o primeiro lançamento da 5ª edição, o Player’s Handbook, ou Livro do Jogador. Num impulso do melhor exemplo “Vamos ver qualé”, comprei a edição importada e levei para casa com uma sensação parecida com aquela que tive ao comprar o Livro do Jogador do AD&D, quase 30 anos atrás. Um misto de realização e ansiedade que eu, como jogador antigo, muito anterior à era das fichas impressas e não xerocadas e dos pdfs, não sentia há bastante tempo.
Imagem: D&D5th, Tyler Jacobson, 2014
Foi um caminho de volta para casa que pareceu mais longo que o normal. À direção de meu caro Mark II, quase via os dragões voando nos céus, enquanto as ruas de São Paulo pareciam mais os tortuosos caminhos da Espinha do Mundo. Quando finalmente cheguei em casa, abri a mochila para puxar o novo catálogo que me prometia uma renovação nesse universo que me acompanha por praticamente toda a minha vida. Com um cuidado que muita molecada não entenderia, retirei o envelope plástico; veio aquele cheiro de livro novo, de novas aventuras.
“D&D é um jogo que ensina você a procurar pela solução inteligente, compartilhar a súbita ideia que pode sobrepujar um problema, e impulsioná-lo a imaginar o que poderia ser, em vez de simplesmente aceitar o que é.” – Mike Mearls
Fui folheando e lendo todas as páginas, de prefácio a índice remissivo, com um misto de admiração e grata surpresa. É claro que nem todas as mecânicas do jogo são perfeitas, as classes não são totalmente balanceadas e o sistema está longe de ser perfeito, mas o que os lead designers do projeto, Mike Mearls e Jeremy Crawford, entenderam é que D&D não precisa disso. D&D nunca foi – e nunca deveria ter tentado passar a impressão de que era – uma corrida pelo poder. D&D é sobre três coisas: colaboração, amizade e imaginação.
Imagem: D&D5th, 2014
Nesse sentido, vale notar o quão simples o sistema tornou-se. São poucas skills, feats são uma regra opcional e atributos estão travados em 20 (assim como o nível máximo, que também é 20). D&D 5th tem uma notável influência de Pathfinder ao eliminar dead levels das classes de personagens e adotar o conceito de arquétipos. Isso significa que, dentro das próprias classes, já há caminhos diferentes a se tomar para customizar seu personagem, que ganha novos features a cada nível, jogando por terra a sensação de estagnação. Foram para o ralo, também, aquelas rolagens de dado ridículas em que você jogava um d20 e somava 35 ao seu teste. A proficiência, um atributo de todos os personagens, é no máximo de +6 lá no último nível. Isso acabou com os índices de AC estratosféricos, e uma criatura poderosa como um dragão ancião tem lá seus 21. E isso é muita coisa para o novo sistema.
“Inúmeros escritores, artistas e outros criadores podem traçar seus inícios para algumas páginas de notas de D&D, um punhado de dados e uma mesa na cozinha.” – Mike Mearls
Essa rapidez não visa o foco em combate, mas em storytelling. O importante agora é a história sendo contada. Não para menos, em vez de você ganhar milhões de níveis épicos, o mestre pode decidir premiar o jogador com outros tipos de recompensa, os Epic Boons, que podem ser coisas como imortalidade, mais uma magia de nível 9 ou imunidade a fogo. O Livro do Mestre, inclusive, foca em criação de mundos e aventuras em vez de colecionar novas regras para o jogo.
Imagem: D&D5th, Starter set, 2014
Mesmo com as melhorias mecânicas, a beleza da apresentação e diagramação, o mais importante dessa nova edição de D&D não está nas evoluções das classes, na revisão das magias ou nas mudanças das dinâmicas do turno de combate; está, sim, no resgate ao sentimento que D&D trouxe e traz até hoje, a faísca de vida que cada jogador e mestre dá aos personagens e à história. D&D é o nosso canto do universo, o lugar onde podemos fazer o que quisermos.
Há e sempre haverá aqueles que não entendem o que há de mais encantador ao vivenciar essas histórias, esses contos fantásticos de espada e magia; em seu fanatismo à razão, não entendem como podem “perder tempo” com dragões e heróis. Esses mesmo dragões e heróis que estão aí, em meio ao caráter das pessoas que entendem a necessidade da criatividade, da amizade, da colaboração. A 5a Edição de Dungeons and Dragons favorece essas necessidades, é uma ode à imprescindibilidade de fantasiar.
A fantasia é comumente relegada como desimportante em comparação, geralmente, com a ciência ou o racionalismo. Dizem que embora não possamos ver uma equação matemática, ela se concretiza ao garantir, ao cientista, a quantidade correta de combustível em um foguete apontado para a Lua, ou o cálculo do ângulo de saída ao espaço, ou como melhor projetar a aerodinâmica da aeronave. Esquecem-se, porém, que foi a fantasia que primeiro o fez querer ir à Lua.
Marcus Vinicius Pilleggi, sonhador de RPG
foi muito bom da forma que passou, o seu sentimento na hora de comprar o livro, pretendo voltar para o D&D! obrigado