Um videogame tradicional começa mais ou menos assim: você tem que salvar o mundo, resgatar a princesa, derrotar o Império Intergaláctico, conter a Horda (sempre), ou até mesmo empilhar coisas que caem do céu em prol do transtorno obsessivo-compulsivo. É tudo muito claro e vem escrito no verso da caixa, você está aqui, tem que fazer isso, chegar ali, etc.
Transistor é um jogo Indie que, talvez por ser Indie, não precisa se ver refém dessa lógica-mercado-lógica dos objetivos arroz-feijão. Você começa a aventura sem saber seu nome, onde está, o que está fazendo, o que deve fazer, a não ser ser surpreendido por uma arte exuberante e uma trilha sonora primorosa. Sério, não estou brincando.
Desenvolvido pela Supergiant Games, famosa pelo tão falado Bastion, Transistor é um jogo que coloca o jogador no papel de Red, uma cantora que vive numa realidade distópica em que a Camerata, os governantes da cidade de Cloudbank, podem modificar o clima e criar tantas benesses conforme os anseios da população. Até chegar o Processo.
Por alguma razão misteriosa (e por isso que você vai jogar Transistor), a Camerata se aliou ao Processo numa iniciativa perversa de… formatar a realidade. Cabe a Red, enquanto uma das únicas pessoas capazes de desafiar a Camerata, descobrir o que está acontecendo, carregando consigo uma arma poderosa (e igualmente misteriosa), o Transistor. Não, ela não é uma mulher musculosa armada até os dentes como nos clichês do mundo dos jogos. Ela é uma cantora de cabaré que teve a voz roubada pelo Processo.
Imagine um jogo atmosférico, poético e de grande imersão, propiciada não apenas pela música de Darrin Korb e pela voz de Ashley Barrett, mas pela arte impressionante de Jen Zee. Superando o seu próprio trabalho em Bastion, este todo desenhado à mão, em Transistor é possível vivenciar e se sentir dentro de Cloudbank, tudo dentro de uma perspectiva isométrica que nunca tinha visto antes.
São vários planos de iluminação, deixando o jogador (ou telespectador) envolto em uma atmosférica fantástica. Apesar de ser um jogo de mecânica relativamente simples, é a arte que carrega e pede uma placa de processamento gráfico razoável do computador.
Um paralelo interessante: na época troquei Diablo III por Transistor, não apenas porque os patches anteriores de D3 estavam comendo o processamento do meu notebook, mas também por conta do formato arroz-feijão do jogo. O que chega a ser uma vantagem, o descompromisso do jogador para com o envolvimento no jogo, chega também a ser uma desvantagem, dada a dificuldade em se identificar com seu personagem e sua importância na trama.
Já em Transistor, temos algo diferente. Como um bom filme ou um bom livro, você enquanto jogador é levado a se entranhar cada vez mais na narrativa, instigado para descobrir o “fim da história” enquanto ela vai sendo belamente apresentada na sua frente. O final é surpreendente e totalmente inesperado, o que me deixou com aquela sensação de, ok, valeu toda a experiência. Eis um dos melhores jogos de 2014, sem sombra de dúvidas.
Victor Hugo, capturado pelo Processo