Cineclube Sci Fi CJRJ – The Matrix

Matrix

No ano de 1999, heróis de ação no cinema tiveram uma mudança repentina acompanhada de couro e óculos escuros que mostrava que, efetivamente, o século 20 estava em seu final. The Matrix chegava aos cinemas e poderia não se importar menos com os espiões, caubóis e exércitos-de-um-homem-só que o gênero já estava cansado de ver.

Desenvolvido pelos inventivos irmãos Wachowski, a película foi cozinhada pensando numa geração já criada no universo dos computadores e das histórias em quadrinhos. Um ciberescapismo recheado de referências, de religião e misticismo a Lewis Carroll, o redemoinho de efeitos especiais para sempre mudou o gênero e trouxe num novo respiro em um estilo que tem a tendência de repetir a si mesmo de novo e de novo. Nem tudo são flores, claro, já que The Matrix gerou sua própria legião de cópias mal-sucedidas.

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Com o artifício do personagem-orelha, acompanhamos o hacker Thomas Anderson, o Neo, vivido por Keanu Reeves, enquanto ele descobre que o mundo do final do século 20 em que vive é, na realidade, uma simulação neural criada por máquinhas no século 21 para que os homens, para sempre adormecidos, consigam criar energia para a sobrevivência das máquinas. Esse talvez seja o maior furo em um filme redondo, já que o corpo humano desperdiça muita energia que consome e, provavelmente, tais máquinas teriam uma maneira mais eficiente de fazê-lo. De todo modo, Neo é salvo dessa simulação – a Matrix – e descobre a destruição da realidade.

O grande vilão do filme, portanto, torna-se essa hiperrealidade que os humanos libertos tentam tão fervorosamente combater. Acredita-se que Neo é O Escolhido, a reencarnação do primeiro homem a conseguir sair da Matrix, que numa alusão ao mito da Caverna de Platão ou até o próprio Buddha Shakiyamuni, adquire o conhecimento e deve retornar para ajudar a libertar os outros homens.

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É dentro da Matrix que a maior parte da ação se desenrola, enquanto Neo desenvolve-se e as batalhas assumem um estilo de histórias em quadrinhos misturados com filmes de kung fu, enquanto os atores – que treinaram exaustivamente – realizam proezas incomuns de combate, principalmente para fugir dos famigerados Agentes: programas da Matrix destinados a controlar mais ativamente a Matrix por dentro e a caçar os hackers que entram vestidos de couro de cima a baixo querendo salvar o resto do pessoal. Embora tenha mudado muitos conceitos do gênero de ação e ficção científica, The Matrix não deixa de ter sua cota de homenagens ou inspiração noutros títulos.

É impossível não relacionar o visual cinzento e claustrofóbico da Nabucodonosor à estética desesperadora de Alien, de Ridley Scott, ou a ideia de ter um perseguidor implacável e praticamente indestrutível como acontece em Exterminador do Futuro, de James Cameron. Até mesmo o “olho” vermelho da máquina que joga o corpo de Neo fora no momento em que efetivamente sai da Matrix lembra, até demais, HAL 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço.

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Contudo, ainda que seja em seu cerne um filme de ação/ficção científica, The Matrix conseguiu angariar uma legião de fãs por seu discurso da inspiração filosófica. Isso deu à película uma sobrevida muito maior, e deixou telespectadores ocidentais pensando no que tudo aquilo significava. Os irmãos dizem que umas das bases do filme é o livro Simulacros e Simulação, no qual Jean Baudrillard discute a respeito da hiperrealidade.

Embora o próprio Baudrillard tenha dito que The Matrix não incorpora corretamente o que ele propõe em sua mais célebre obra, isso eleva a imagem da produção para algo que talvez possua mais do que a simplicidade da jornada do herói condensada no roteiro. Segundo Baudrillard, o filme que mais se aproxima de sua teoria é O Show de Truman.

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O motivo principal é que a divisão de realidade e hiperrealidade não deve ser óbvia e simplista ao ponto de entrar em um programa de computador. É a perigosa passividade frente às mudanças, de tecnologias ou paradigmas, que nos coloca na posição de não saber separar direito o que é ou não real. “Aceitamos a realidade como ela nos é apresentada”, diz o personagem Christoph em O Show de Truman. Essa frase, que também toca a ambientação de The Matrix, mas de forma mais rasa, em muitos aspectos condensa a teoria baudrillardiana, que alerta para o perigo de trocarmos experiências reais pela sublimação supostamente garantida por experiências virtuais. Um passeio virtual pelo Louvre, por exemplo, não faz com que você, de fato, conheça o Louvre, mas todos – inclusive você mesmo – querem lhe fazer acreditar nisso.

De todo modo, The Matrix consegue atingir variados públicos por ser um filme de camadas. Aqueles dispostos a discutir os aspectos mais profundos da filosofia humana terão insumos recheados de referências para tal. Os fãs de ficção científica podem ver várias ideias e obras concentradas em pouco mais de duas horas. Aos menos afoitos a tais predicados, a ação excelente do filme garante vários minutos de entretenimento, já que The Matrix é, na pior das hipóteses e frente ao telespectador mais chato, um excelente e estiloso filme de artes marciais. Seja qual for a preferência, apenas lembre-se de nunca viver sua vida em função de uma tela.

Marcus Vinicius Pilleggi, direto da Matrix para o Conselho Jedi Rio de Janeiro

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