
A Roda do Tempo gira e Eras vêm e vão, deixando memórias que se transformam em lendas. Lendas se esvaem em mitos e até o mito é há muito esquecido quando a Era que lhe deu origem surge novamente. Em uma Era chamada de Terceira Era por alguns, uma Era ainda por vir, uma Era há muito passada, um vento nasceu sobre a Baía Esmeralda no Oceano Atlântico. O vento não era o começo. Não há começos e nem tampouco fins nas voltas da Roda do Tempo. Mas ele era um começo.
O vento soprou sobre as águas, passou pelas Ilhas do Demônio e de McNabs, pelo porto, ruas de Halifax e chegou em um alojamento de estudantes, trazendo uma brisa marinha até um homem sentado em frente ao seu computador. O homem estava escrevendo um texto para o blog mais elegante da internet, o Ao Sugo, e o tema dos seus escritos não era nada menos, nada mais do que a obra de Robert Jordan (nome artístico de James Oliver Rigney Jr. – 1948 – 2007) e sua série de livros Wheel of Time.
A série, cujo primeiro livro foi publicado em 1990, relata as hitórias de personagens que foram unidos pelo acaso, ou, mais provavelmente, pelas voltas da Roda do Tempo. Personagens dos mais variados tipos – homens e mulheres da Luz e da Sombra, de cidades e vilarejos; que caçam com os lobos ou que combatem a Sombra nas terras geladas de Shienar; que dominam magia ao tocar a Fonte Verdadeira ou que abominam tudo que tenha qualquer relação com o Um Poder. Personagens que aparecem de relance podem ter um papel central algumas centenas de páginas mais para frente; outros que eram centrais somem de vista.
A história contada nos livros começa em Dois Rios, uma região que se mantém afastada do resto do mundo e logo se expande para outros horizontes. O mundo fica cada vez maior e, de repente, nos encontramos na majestosa Caemlyn, ou na fortaleza de Fal Dara, ou até mesmo dentro das muralhas brilhantes de Tar Valon. Robert Jordan soube mostrar o maravilhamento com fantásticas descrições, vistas não como uma paisagem pintada por um artista desinteressado, mas pelo olhar dos próprios personagens. A estranhez dos costumes (como assim, mulheres tomam banho junto com os homens e a própria irmã do governante pode pedir a um mero soldado esfregar as suas costas?), a forma inacreditável dos prédios que parecem terem sido moldados pelo vento e água e não por mãos habilidosas dos Ogier, o pavor perante do olhar sem olhos de um Myrddraal… Tudo isso é sentido na pele quando lemos os livros da série.

Em chamas, por ter tocado a Luz
O universo de Wheel of Time tem um sistema de magia interessante e bem desenvolvido. E o mais interessante disso tudo é que o leitor ou a leitora vai entendendo este sistema gradualmente, aprendendo junto com as personagens. Em linhas gerais, toda a magia vem da Fonte Verdadeira; e a palavra “magia” não é usada para se referir a isso – o termo usado é o Um Poder ou simplesmente o Poder. O Poder tem a metade feminina, saidar, calorosa como a luz do Sol, que te enche de vida e para a qual você se abre como uma flor se abrindo ao Sol e à qual você se rende para poder controlá-la; e a metade masculina, saidin, maculada pelo toque do Escuro, doce como um rio de água cristalina debaixo de uma camada do esgoto mais fétido, que te enche de Luz e euforia e faz seu estômago se revirar de nojo, ao mesmo tempo que ameaça te levar embora em uma torrente de vida. Homens não conseguem sentir saidar mesmo que sintam seus efeitos, e o mesmo vale para mulheres e saidin; e uma mulher não pode ensinar um homem a usar saidin mais do que um peixe pode ensinar um pássaro a nadar. Mas as maiores obras dos Aes Sedai – mulheres e homens que sabem controlar o Um Poder – foram feitas com homens e mulheres trabalhando em conjunto, antes do saidin ter sido maculado.
Mas nem tudo são flores em se tratando do Um Poder. Homens que o controlam ou o canalizam, são destinados à loucura e à morte por causa do toque do Escuro. Esta loucura é uma ameaça a todos no seu entorno e, por isso, tais homens são caçados pelas Aes Sedai do ajah vermelho – caçados para terem seu contato com o Um Poder cortado para sempre. A sorte das mulheres é outra – o saidar não foi maculado e, com o devido treinamento, as mulheres que o canalizam podem se tornar poderosas Aes Sedai. Mas sem tal treinamento, que só é ensinado dentro das muralhas brilhantes de Tar Valon, estas mulheres são destinadas a uma morte dolorosa por doenças incuráveis e inexplicáveis. E mesmo Aes Sedai treinadas correm riscos se exagerarem no uso do Poder… Existe um limite para quanto Poder uma pessoa, por mais poderosa que seja, consegue canalizar, até que o excesso tem consequências trágicas, para si e para todos que estiverem por perto.

A Roda tece como a Roda deseja
The Wheel weaves as the Wheel wills. Esta frase é repetida, com variações, ao longo do livro. Mas o que é a Roda do Tempo? O tempo no universo de Wheel of Time é cíclico: as Eras se repetem. Mas a Roda é mais do que uma simples representação de ciclos. Ela tece os fios das vidas das pessoas para formar o Padrão de uma Era. Algumas pessoas têm mais controle sobre seus fios; outras têm menos. Os Ta’veren são fios centrais no tecido do tempo, e a Roda leva outros fios a se acomodarem ao destino dos ta’veren. Um ta’veren não precisa fazer nada além de passar por uma cidade ou conversar com um fazendeiro para mudar totalmente os seus rumos. Os fios de muitas vidas seguem o destino dos ta’veren – mas eles mesmos seguem o Padrão determinado a eles pela Roda do Tempo. Um ta’veren tem menos controle sobre a própria vida do que outras pessoas, e por mais que ele tente traçar seu próprio caminho, a Roda o trará de volta ao caminho pré-determinado.
A linha central da série é o conflito eterno entre a Luz e a Sombra. O Grande Senhor do Escuro, aprisionado pelo Criador no momento da criação na fortaleza de Shayol Ghul, ainda assim exerce poder sobre o mundo por criaturas distorcidas ou por humanos que trocaram sua liberdade por uma promessa de poder. Na Era das Lendas seu poder foi confrontato por Lews Therin Thelamon, O Dragão, e as profecias dizem que o Dragão irá renascer e, renascido, irá destruir o mundo para salvá-lo. Ninguém sabe quando isso acontecerá, sendo motivo de medo constante.
Essa linha central é mesclada e se mistura com as histórias e as escolhas individuais dos personagens. Uma flecha no escuro ou uma faca nas costas pode atingir um ta’veren tanto quanto qualquer outra pessoa. Os atos de cada um mudam a vida de outras pessoas, por vezes mudando o próprio destino do mundo em que vivem, algo que ao longo dos livros é mesclado com os pensamentos, anseios e sentimentos de cada um. A confusão de um homem que dizem ser o Dragão Renascido e que precisa lidar, de algum modo, com isso; a resignação de alguém que não queria nada da vida além de ser um ferreiro e criar coisas; a felicidade boba de uma princesa apaixonada… Enquanto isso, alguns personagens permanecem misteriosos, exceto por breves relances para seus pensamentos e sentimentos mais interiores.
Enfim, a Roda tece como a Roda deseja, e o mundo tecido pelas mãos de Robert Jordan é tão fascinante quanto é complexo e completo. Um único aviso deve ser dado aos leitores que não temem em se aventurar por este mundo: uma vez que o fio da sua vida é tocado por um ta’veren, pode demorar muito até que o seu destino seja seu novamente. Boa viagem!
Pavel Taurwen, Aes Sedai do Ajah Marrom diretamente para o Ao Sugo
Legal, mais livros, mais leituras – menos tempos… já tinha ouvido falar sobre a série, e achei interessante o post bem explicativo sobre a obra.
Parabéns pelo artigo. Eu sou apaixonada por essa série, já estou no último livro e não tenho palavras para dizer o quanto estou feliz de saber que em breve teremos a saga novamente no Brasil 😀
Fico feliz que tenham gostado do artigo 🙂 Eu ainda estou no quarto livro (comecei a ler a série em março) e estou totalmente apaixonado. O mais legal é ver o mundo pelo olhar de tantos personagens diferentes e entender o que cada um sente e pensa… E, é claro, a diversidade de costumes e de pessoas. Além da história como um todo… Enfim, tudo, rs.