Dia três de abril de dois mil e treze. A comunidade dos jogos eletrônicos entra em polvorosa. Seis meses após adquirir todas as empresas de George Lucas pelo simpático valor de 4,05 bilhões de doletas, a Disney oficializa o encerramento das atividades da LucasArts como produtora de games. Depois de 31 anos, o negócio que entrou no mercado de forma tímida e tornou-se grande nos anos 1990 fecha as portas após a decisão da nova gestão corporativa da companhia.
Houve abalo, gritos e resmungos. “Um absurdo!”, “Estava demorando!”, “Não acredito!”, “O Mickey venceu!” foram brados, dentre muitos outros, que ecoaram em encontros, fóruns, portais na Internet… Enfim, a LucasArts fechou e isso deixou muita gente indignada, mas entre os alaridos que emaranhavam-se a teorias estapafúrdias, poucas foram as manifestações que tentaram realmente entender o mais importante: “por quê?”.
Que a notícia pegou todo mundo de sopetão, é óbvio. O plano inicial da Walt Disney Company, inclusive, era que as empresas Lucas continuassem a trabalhar como sempre fizeram. Mas isso foi no ano passado, jovens, antes de repassar as contas, de fechar o ano fiscal. No mundo corporativo, é muito comum que os primeiros três ou quatro meses do ano sejam complicados, porque é quando a empresa vê o quanto faturou e gastou no ano anterior e faz projeções para o novo ano. E estas projeções, por vezes, implicam em pessoas demitidas, departamentos fechados, aquisições, mudanças. E o que não está funcionando é cortado, mesmo. Cruel? Yeps, é mesmo. E é assim que o mundo real funciona.
Vamos voltar um pouco no tempo, então. Especialmente após a entrada dos anos 2000, a LucasArts ficou muito focada em jogos de Star Wars (por exemplo, com games baseados na nova trilogia). Muitos críticos caíram de pau em cima dizendo que a qualidade, em geral, começou a cair. E é verdade. Se analisarmos os predicados gerais dos adventure da década anterior com um Episode I, por exemplo, não dá para negar que piorou.

A própria LucasArts admitiu a queda na qualidade em 2002, emitindo um anúncio que dizia que os próximos lançamentos seriam, no mínimo, 50% de jogos não-baseados em Star Wars. Essa política mudou novamente com títulos de pouco sucesso ou cancelados antes do lançamento. E trabalhos baseados em Star Wars dominaram de novo o portfólio da empresa.
Em 2003, a Bioware desenvolveu um jogo que foi publicado pela LucasArts e que fez um sucesso brutal: Knights of the Old Republic. O game tinha gráficos, jogabilidade e enredo sofisticados e foi um sucesso. Em 2004, viria a continuação, Knights of the Old Republic II: The Sith Lords, que foi feito pela Obsidian Entertainment, e não a BioWare. E independentemente de a Obsidian ser uma desenvolvedora de menor prestígio que a BioWare, a LucasArts foi criticada por pressionar o lançamento da continuação ainda inacabada, o que resultou em muito conteúdo cortado, um final decepcionante e muitos bugs.
O ponto é: a LucasArts estava acertando pouco. E quando acertava, era em algo em que ela só trabalhou como distribuidora, e não desenvolvedora. E esse tipo de coisa acabou levando a algumas mudanças internas.
Reestruturação

Em abril de 2004, a empresa botou à frente um novo presidente: Jim Ward, à época, vice-presidente de marketing e distribuição online global da Lucasfilm. A primeira coisa que ele fez foi uma auditoria. Por quê? Porque, em 2003, a empresa faturou cerca de 100 milhões de dólares, vindos primariamente de jogos baseados em Star Wars (faturou, não lucrou); uma margem que outros batiam apenas com um jogo (a Microsoft fez mais que isso só com Halo).
Pois é. Aí, o Jim Ward chegou e montou um plano de cinco anos de investimento para reestruturar a companhia. Como os principais games de Star Wars eram apenas distribuídos pela LucasArts, enquanto desenvolvidos por outras empresas como Raven Software, Sony, BioWare e Obsidian, o que ele queria era parar com esta palhaçada e fazer o desenvolvimento interno de games funcionar. Nessa pegada, um monte de jogo foi cortado, as equipes redimensionadas e investimentos revistos. Entre muitos cortes, jogos sobreviventes foram títulos como Star Wars: Battlefront, Star Wars: Republic Commando e Star Wars: Episode III. As mudanças fizeram com que o quadro de funcionários da LucasArts passasse de 450 para 190 pessoas.
Mesmo com todos esses sustos, a coisa toda deu um lapso de esperança de que voltaria caminhar de novo. Battlefront (muito baseado em Battlefield) se tornou o jogo de Star Wars mais vendido até então e gerou continuação (embora Battlefront II tenha sido desenvolvido pela Pandemic Studios). A empresa até emplacou um jogo que não era baseado em Star Wars, chamado Mercenaries, feito também pela Pandemic Studios. A joia da coroa viria em 2008, com o lançamento de Star Wars: The Force Unleashed, que recebeu críticas variadas (uns gostaram, outros não, e você pode ver a crítica aosugolesca bem aqui), mas se tornou o jogo mais vendido baseado no universo de George Lucas.

Ainda assim, a LucasArts não estava conseguindo se manter no nível de outras produtoras de games. Os resultados nem de perto se equiparavam aos concorrentes, e isso foi piorando o clima interno e degenerando o funcionamento da empresa. Para se ter uma ideia, em 2007, a Free Radical chegou a ser contratada para desenvolver o Battlefront 3, e o co-fundador da empresa, Steve Ellis, disse que a LucasArts mudou de “melhor relação com uma publicadora” para uma investidora que segurava o dinheiro por seis meses e que abusava do fato de a Free Radical ser uma desenvolvedora independente, chegando ao nível de reter a multa de cancelamento de contrato (ou seja, cancelaram o jogo e não pagaram nada para eles). Mancada típica de quem está se afogando no mercado. Perdidaços.
Jim Ward saiu da LucasArts em 2008 por razões pessoais. Talvez tenha ficado de saco cheio ao ver que o negócio não ia para frente ou percebeu que ia rodar justamente por causa disso. De todo modo, ele foi sucedido por Darrell Rodriguez, que veio da Eletronic Arts. Na sua época houve alguns bons lançamentos (inclusive relançamentos de Monkey Island 1 e 2 e o supramencionado The Force Unleashed), mas os esforços foram insuficientes, então o próprio Rodriguez pulou fora em maio de 2010.
No lugar dele entrou Paul Meegan, que veio da Epic Games (produtora forte, de Gears of War). Quase junto com ele, em agosto de 2010, Clint Hocking, um diretor de games pica-grossa da Ubisoft (e um dos principais responsáveis pela franquia Far Cry), ingressou nos ranks da LucasArts. Como a Ubisoft é muito forte no mercado (e Far Cry é ducaraleo), muita gente viu como bons ventos… Até um mês depois. Em setembro (um mês antes de lançarem The Force Unleashed 2), houve diminuição no setor de desenvolvimento da empresa, e eles demitiram cerca de um terço dos funcionários. Sim, isso aí, demissão em massa. De novo.
O Meegan, mesmo, saiu em agosto de 2012. Hocking saiu antes, em junho daquele ano. Parecia que a empresa estava descreditada até mesmo por seus CEOs e principais funcionários. Para complicar, foi também neste período turbulento em que a empresa viu a saída de um de seus melhores diretores criativos, Haden Blackman (responsável pelo primeiro Force Unleashed, que independentemente de qualquer coisa, foi um sucesso). A LucasArts estava engatinhando em virtude de uma doença corporativa degenerativa: a de não saber se reinventar para se recuperar.
O choque
Aí a história já é comum. Em outubro de 2012, a Disney comprou a Lucasfilm e todas as empresas integradas a ela. LucasArts, inclusive. Depois de todo este histórico, foi fácil analisar que a LucasArts não estava em um lugar muito bom no mercado. Não fazia dinheiro, não desenvolvia games e estava com seu nome desgastado entre os executivos da indústria de jogos eletrônicos. Então eles resolveram acabar com a brincadeira. Quando finalmente cancelou o braço desenvolvedor da LucasArts, a maior parte da equipe (cerca de 150 funcionários) foi demitida.
Por que fizeram isso? Porque estavam perdendo dinheiro. Pura e simplesmente. Empresas – principalmente um conglomerado poderoso como a Disney – não vivem de nostalgia. Do ponto de vista executivo, fechar a LucasArts era uma decisão difícil, porém a mais acertada para garantir o bom funcionamento do restante das empresas Lucas. Se a maioria dos jogos de Star Wars estavam sendo desenvolvidos fora da LucasArts, mesmo, por que raios manter um monte de empregado caro que não está trabalhando no ritmo que deveria? Além disso, a própria Disney já tem um estúdio de desenvolvimento e publicação de jogos, o Disney Interactive Studios. Então, os jogos que forem ser desenvolvidos internamente podem muito bem vir daí. As grandes mentes criativas do estúdio (como Dave Grossman, Tim Schafer e outros da Era de Ouro dos adventure games) já nem estavam mais lá.
A LucasArts não acabou, acabooooou, todavia tornou-se um núcleo de pouco mais de dez funcionários, responsáveis pelo licenciamento dos jogos das franquia e propriedades intelectuais da Lucasfilm (como Star Wars e Indiana Jones). Ou seja, vai funcionar mais ou menos como funciona a Lucasbooks. Eles dão o OK para alguém fazer o jogo e depois validam. Mais ou menos isso.
É verdade que todos esses acontecimentos trazem à tona lembranças de uma época muito boa, até mesmo em que o mercado dos jogos eletrônicos era algo consideravelmente mais inocente do que se tornou hoje em dia – uma indústria que rivaliza (e chega a ultrapassar) o cinema. Embora o fechamento da LucasArts seja, sim, o fim de um legado, resta-nos não só lamentar os acontecimentos que sagraram seu fenecimento como, também, admitir que esse legado talvez já tivesse terminado há muito mais tempo do que pensávamos. Só faltava, mesmo, o choque de realidade. De todo modo, assim como Ben era indestrutível na estrada, também serão, em nossas memórias, as histórias que alimentaram a imaginação de uma geração inteira. E, ali, o legado nunca terminará.
Pelo menos eles não estão fazendo minivans.

Marcus Vinicius Pilleggi, direto de Monkey Island
E nunca esta música encaixou tão bem: