Olá nobres padawans, cavaleiros, mestres jedi e sensitivos da Força, está no ar mais uma sessão do Cineclube Sci Fi – CJRJ, desta vez com Star Wars VI – Uma Nova Esperança! Integrando o Especial Star Wars Ao Sugo 2013 e sendo o primeiro artigo da Holonet Ao Sugo e Holocron CJRJ, tenho a felicidade colossal de fazer a análise de um dos meus filmes favoritos.
Infelizmente não era nascido quando Star Wars (até então sem “Episódio IV” ou qualquer coisa que o valha) estreou nos cinemas. Não pude sentir a vibração da platéia na sala do cinema ao assistir um dos filmes mais importantes de todos os tempos. Não pude ter a sensação de descoberta de algo novo, inovador que mudaria a história da cultura pop contemporânea para sempre. Quando nasci Star Wars já era um fenômeno mundial, podendo acompanhar o início da saga apenas em tristes monitores de televisão, sempre refém da boa vontade de um ou outro canal de televisão ou então de uma fita VHS.
Contudo e, por mais impressionante que possa parecer, assistir ao Episódio IV até hoje me causa um feixe de sensações que não consigo descrever ser tergiversar. Talvez o que mais se aproxima de uma descrição sensorial é “eletricidade”. Até hoje, mesmo após ter visto e revisto esse filme infinitas vezes, ainda sinto uma eletricidade nebulosa no ar, como se estivesse prestes a entrar em contato com algum tipo de conhecimento secreto e mágico. Talvez seja a Força.
Uma coisa que geralmente acontece entre os fãs de Star Wars é, diante de tantas e tantas exibições, acabam se esquecendo ou não dando a devida importância para Uma Nova Esperança, filme que revolucionou não só o mundo do cinema, como deu os ditames de como veríamos a cultura pop contemporânea. Eis o que pretendo discutir aqui hoje para vocês, tendo como objetivo apontar algumas idéias para que possam prestar atenção quando estiverem assistindo ao filme nesta noite.
Alguns pensadores da Filosofia e Sociologia até mesmo gostam de discutir a tal da “pós-modernidade” usando Star Wars como referência marcante, sendo um exemplo máximo do pastiche e da sobreposição de referências culturais em um único plano. Star Wars atualiza não só mitologias e arquétipos muito antigos como também apresenta de modo eficiente – e exuberante, obrigado – um perfeito conto de fadas para os dias de hoje. Como já disse Mark Hamill, lá você tem um herói, um pirata, uma princesa, um mago e um vilão… está tudo lá, dispostos em um mundo futurístico que é num passado muito distante, contando uma aventura de mundos distantes que estão aqui do nosso lado, entremeado numa narrativa inovadora, mas nem tão inovadora assim.
Star Wars foi um dos primeiros filmes a introduzir visualmente a concepção de uma Ficção Científica “suja” e consciente dos problemas trazidos com o progresso. Antes de ser uma mera questão estética, tudo isso já vinha sendo debatido na Ficção Científica pelo menos uma década antes, seja com Duna de Frank Herbert ou Do Android Dream of Electric Sheep? de Philip K. Dick. Quais são as benesses e atrocidades do progresso tecnológico desenfreado e irrefletido? O que Star Wars tem em comum com estas obras é uma perspectiva niilista de um futuro pessimista, cuja tecnologia avançada corrompeu de modo quase irreversível com a beleza orgânica da vida, da natureza e da… Força.
Ok, isso soa demais rousseauniano (isso vindo do antropólogo que vos fala), mas a discussão é essa. Não é simplesmente o Bem contra o Mal reificados nos papéis da Aliança Rebelde e do Império Galáctico, mas algo mais profundo e que, aham, está presente na nossa vida cotidiana hoje. Se antes tínhamos Jornada nas Estrelas com um futuro cristalino, tecnologicamente avançado, com uma humanidade sem problemas, sem pobreza, sem doença e sem fome, Star Wars nos mostra o contrário: o avanço tecnológico maquinal desprende o Homem de seu estatuto de Humanidade. Vide Darth Vader, sim?
É justamente por isso que a tecnologia mais avançada de todos os tempos está nas mãos do Império e não da Aliança, um bando de rebeldes que não estão descontentes com o panorama político galáctico apenas, mas infelizes com todo o desdobramento filosófico, moral. Ué, mas falaram para a gente que isso tudo de tecnologia era tão bom e prático… Será?
Em Star Wars toda essa questão pode ser pensada semioticamente de modo gritante, desde a abertura. Logo no primeiro corte vemos uma nave velha, diminuta, fugindo de um imenso Destróier Imperial que aos poucos vai ocupando toda a tela e, detalhe, por cima. Embaixo temos o idílico planeta Tatooine que, aos poucos, é tomado pelo metal e metal e metal da nave imperial. A escolha do ângulo para mostrar a nave imperial não foi aleatória, criando uma sensação de opressão nos telespectadores logo no início do filme. É aí, meus caros, que cinema deixa de ser cinema e vira arte, quando faz você pensar.
Não preciso me alongar para mostrar que isso é patente em toda a história. Aqui o nosso herói e cavaleiro branco não é rico. E nosso dragão que prende a princesa no topo do castelo não é necessariamente “perverso”, seguindo apenas um ímpeto que tanto valorizamos nos dias de hoje: “ordem e progresso”. Nossos Rebeldes são “perrapados”, com naves sujas que não funcionam e nossos vilões são tudo o que queremos ser.
Esta questão também é patente em toda a trilha sonora da Trilogia Clássica, já discutida aqui neste Especial. Como exemplo, retomo dois temas chave ou leitmotif que demarcam personagens muito fortes, o tema da Força do Episódio IV e a Marcha Imperial do Episódio V. Se o tema da Força é musicalmente orgânico, composto de notas longas em uma tonalidade menor (visando assim criar a sensação de algo ancestral e bucólico), a Marcha Imperial é marcada por notas curtas repetidas incessantemente, nos remetendo ao mundo da repetição, da precisão e da máquina. Até na música John Williams já nos alertava que Star Wars não é apenas uma história sobre o mocinho contra o bandido, mas algo maior e mais profundo: a discussão sobre humanidade. Aqui “uma galáxia muito distante” se torna absurdamente próxima de nós.
A história toda não é novidade. Os mestres de RPG aqui presentes sabem como é mais do que corriqueiro repetir o mote de um grupo de personagens despreparados que precisam resgatar uma princesa em apuros. Os leitores de contos de fadas também já conhecem esse papo de cor e salteado e, indo além, aqueles que se interessam pelas narrativas arturianas já estão carecas de saber como tudo isso termina. Mas, espere um pouco… Arthur? Isso não é de um passado remoto?
Eis um dos principais sucessos de Star Wars, o resgate dos princípios de uma narrativa cujos valores remontam à honra e ao heroísmo, entoando uma história que por princípio é épica, honesta e que cala fundo em todos nós (questão que, ok, muitos adorariam colocar os arquétipos de Campbell na jogada ou, pior, a enfadonha discussão sobre a tal da “Jornada do Herói”… como antropólogo de linhagem francesa tenho lá meus sérios problemas com essas perspectivas, mas isso é outra história).
Star Wars revolucionou a cultura pop contemporânea (seja lá o que for isso) ao nos mostrar que é perfeitamente possível pensar em todos esses valores de novo e, o mais importante, em acreditar. Hoje não temos princesas e dragões, tampouco a distante lenda do Rei Arthur para acalentar nossas noites quando nos rumamos ao mundo do Sonhar, mas temos nossas Leias Organas e Darth Vaders, nossos heróis de capa e espada contra as tropas sem rosto dos Stormtroopers. Star Wars mostrou ser possível acreditar em tudo isso de novo.
Como já disse aqui em outra oportunidade, compareçam à exibição de um dos melhores filmes de suas vidas, tentando encontrar tais aspectos que falei aqui hoje e depois comentem e critiquem aqui no post. Mas, o mais importante, meus nobres padawans, cavaleiros, mestres jedi e sensitivos da Força, acreditem. Acreditem.
Victor Hugo Kebbe, Editor do Especial Star Wars Ao Sugo
Muito legal o artigo.
Tive eu, sim, a felicidade de ser uma piquerrucha de mais de 5 aninhos que assistiu à estreia de Uma Nova Esperança em fevereiro de 1978. E fui nas outras duas continuações.
Sim, também saí da sala completamente aparvalharda com o que tinha passado diante dos meus olhos. “Como aquilo era possível ?”. “Como eles tinham feito todas aquelas cenas ?” …
Decorrentes da trilogia, ficaram o meu ávido interesse pelo inglês (como é que eu ia escrever para o Luke ? Tinha que saber inglês, né ?) e a minha duradoura paixão pela Sétima Arte. Essas duas marcas foram responsáveis pelas portas abertas que me empurraram pela vida a fora.
Parabéns pelo seu texto, Victor.
Muitíssimo obrigado pelo comentário, Andréa. Espero que você se divirta pela Holonet aqui no Ao Sugo.
Que a Força esteja com você,
Victor Hugo