
Meus caros amigos do Conselho Jedi Rio de Janeiro, vocês estão prestes a assistir a um dos melhores filmes de todos os tempos. Considerado um dos melhores filmes de Ficção Científica já feitos e de quebra um dos meus favoritos, é com muito prazer que escrevo este breve comentário sobre Blade Runner para as Sessões de Ficção Científica do CJRJ!
Bem vindo ao futuro. Não, não é o belo futuro de Jornada nas Estrelas, mundo em que a pobreza e as doenças foram erradicadas do planeta. Não. Agora estamos no futuro das grandes corporações, num mundo – quase – pós-apocalíptico com o fim da Grande Guerra Terminus. Se em Jornada a tecnologia chega a todos como um trampolim para o progresso e a boa vida, em Blade Runner a tecnologia chega como a sucata que destrói, cada vez mais, qualquer resquício de humanidade no planeta. Eis uma visão degenerada do futuro em que a humanidade estaria colhendo os frutos – e por que não dejetos – de todo este progresso científico e industrial que ela mesmo criou.
“Viva nas colônias” diz o dirigível, pois a Terra que todos conhecemos já era. Literalmente. Meio ambiente. Fauna. Moralidade. Tudo perdeu o sentido. Este é o futuro distópico de Blade Runner, obra máxima de Ridley Scott de 1982 e que certamente ditou o imaginário e imagética que temos do nosso presente. Cidades super populosas, problemas ambientais sem fim, poluição do ar, poluição dos sons, poluição dos sinais… Como bem começou o posterior Neuromancer (1984), de William Gibson, olhar para o céu é como ver uma televisão sintonizada em um canal fora do ar. Tudo parece fora do ar.
Pensemos na realidade cotidiana apresentada em Blade Runner. Um mundo dominado pelas grandes corporações, globalizado pelos transportes, comércio e telecomunicações, onde pessoas teriam acesso em tempo real ao que acontece em qualquer canto do planeta. Eis o grande paradoxo, o grande disparate e a grande mentira: numa sociedade sufocada pelo excesso de informação temos uma população alienada. Como já dizia Georg Simmel, uma das características do mundo moderno nas cidades é que, frente a tantos símbolos e sinais a serem interpretados pelos nossos sentidos, só poderíamos encarar o cotidiano com apatia. Imaginem um dia de trabalho numa grande metrópole infestada de gente por todos os lados, 24 horas por dia, com um céu cinzento, com um barulho infernal nas ruas por conta do trânsito… você só poderia mesmo tentar ignorar tudo isso ou encarar de modo apático esse estilo de vida para poder continuar e enfrentar o próximo dia, não é? Bem, quem diria, se era um prenúncio de um futuro não muito distante, me parece uma descrição muito boa de um dia na cidade de São Paulo hoje…
Blade Runner foi inspirado em Do Androids Dream Of Electric Sheep?, de Philip K. Dick, um dos maiores escritores da Ficção Científica. E sim, inspirado. Não deixe de ler o livro se assistiu ao filme e vice-versa. Porém o eixo está lá, a discussão sobre andróides ou, no filme, Replicantes (sim, replicantes… Ridley Scott não queria manter o termo “andróide”). Idênticos a nós em carne e osso, os replicantes são seres fadados a uma trágica e irrisória meia-vida e a uma vida inteira de trabalhos forçados. Escravos. Soldados. Prostitutas. Mas eles também pensam e têm sonhos, como sugere o livro de Dick.
O maior mérito de Blade Runner e do seu livro inspirador é o de provocar a discussão sobre o estatuto da humanidade quando somos confrontados com um outro humano. Não é apenas aquele papo básico de “homem versus máquina” que todo mundo aqui já está careca de saber. Não é tampouco uma leitura plana e pobre da revolta das máquinas. Não. Blade Runner vai além, mostrando humanos que neste mundo distópico e sem referências perdem toda a noção do que é ser humano. Blade Runner nos mostra replicantes muito mais humanos do que nós mesmos, perdidos num mundo de extremo avanço tecnológico, porém com incrível degradação de valores e de humanidade.
Apesar de ter sido lançado em 1982 o filme tem muito a nos dizer no presente de 2013. O futuro de Blade Runner é o nosso presente, é a Ficção Científica pé no chão que virou realidade. Desde Blade Runner (e do subseqüente Movimento Cyberpunk e de todos os outros movimentos “punk” da Ficção Científica, Steampunk, Teslapunk, Dieselpunk, Biopunk, etc.) que a Ficção Científica deixou de “prever” o futuro para ditar de vez sobre como o futuro será. As grandes tecnologias já estão batendo na porta, o progresso grita logo cedo desde o primeiro minuto da manhã e, muito infelizmente, não estamos pensando sobre as conseqüências disso tudo.
Dick não pôde assistir Blade Runner finalizado, um dos filmes mais controversos da década. Seu lançamento em 1982 foi um fiasco, uma colcha de retalhos feita por executivos que pouco entendem de cinema e arte senão dinheiro (ironicamente uma mensagem de fundo também presente no filme e no livro). Na década seguinte Scott relançou Blade Runner como deveria ter sido, não subestimando os telespectadores, mas fazendo-os pensar. Espero que vocês pensem.
Victor Hugo, Replicante, diretamente do Ao Sugo para o CJRJ
Para saber mais sobre Philip K. Dick, Movimento Cyberpunk e Blade Runner, visitem a seção Portão de Tannhauser no Ao Sugo.
Leia agora mesmo o artigo da próxima sessão do Cineclube Sci Fi do CJRJ sobre Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan!