E assim Pallando, um dos cinco Istari da Terra-Média, conseguiu com Aragorn, Frodo e Glorfindel jogar o Um Anel nas Fendas da Perdição, aniquilando de vez o poderio nefasto de Sauron. Obi Wan Kenobi encontrou Darth Vader na Cantina de Mos Eisley, causando uma briga danada entre Caçadores de Recompensas, viajantes corriqueiros, soldados da Aliança Rebelde e Stormtroopers do Segundo Império Galáctico. Não? Não foi assim que aconteceu?
Não é apenas nos roleplaying games em que os jogadores interpretando heróis conseguem fazer suas grandes aventuras inspiradas em seus filmes e livros favoritos. Como já bem sabem, apesar do Mestre seguir um eixo em suas aventuras, o charme do jogo está na capacidade de manipulação ou torção da história conforme os jogadores (ou heróis) vão apresentando novos dilemas e ações que muito provavelmente não aparecem nos cinemas.
Todavia, está cada vez mais difícil reunir jogadores para uma boa e velha partida de RPG. São vários os motivos para isso (e que não vou nem comentar neste artigo), mas um dos maiores problemas para compor uma mesa é conciliar os horários de todos os jogadores. Geralmente mais velhos e todos já trabalhando, casados, pais, mães ou o que seja, é bem complexo manter firme um hobby como esse, aliás, o melhor jogo do mundo. Além disso, não é sempre que os jogadores querem elaborar longos históricos de personagens para partidas que duram horas ou até mesmo anos a fio. O que fazer então?
Existem opções de jogos que são tangenciais ao universo dos RPGs e que merecem todo o nosso respeito, a saber, os jogos de cartas (deixarei os jogos de tabuleiro para outra oportunidade). Apesar do IMENSO preconceito dos jogadores e mestres de RPG quanto aos jogos de cartas, esta modalidade flerta constantemente com o mundo nerd da espada, magia e sabres de luz, até que tal flerte sempre foi motivo de confusão entre os leigos sobre o que é RPG e o que é um cardgame. Comecemos com um exemplo clássico.
Não, Magic The Gathering NÃO é um RPG. RPG é um jogo de interpretação de papéis, algo bastante simples de jogar e absurdamente complexo para se explicar num artigo (deixe de ser vagabundo e leia a Taverna Dano Crítico). Magic The Gathering é um dos mais famosos jogos de cartas que já existiu e que se baseia no duelo de magos em um mundo de fantasia medieval. Para quem tiver a chance de ver uma carta de Magic, verá que 1) não é um “baralho” convencional, pois não se joga tranca nem buraco nem poker com magos duelistas; e 2) não é um Super Trunfo, cujos jogadores (sempre em dois) disputam por números estatísticos acerca de… nada.
Os jogos de cartas a que me refiro são modalidades bastante complexas que em todo momento emprestam características de jogos de estratégia, tabuleiro, RPGs, etc. No Star Wars CCG os dois jogadores disputam pela supremacia na Força, criando para isso um mega tabuleiro com cartas. Você pilota naves e comanda personagens tal qual num jogo de tabuleiro… Em Middle-Earth: The Wizards você coordena suas comitivas e esferas de influência para salvar o mundo contra Sauron… Em Spellfire você precisa defender ao menos 6 territórios, utilizando castelos, fortalezas e inúmeros soldados, feiticeiros, etc. Em Magic The Gathering você encarna a figura de um mago, usando de magias para vencer o oponente… Isso não me parece um jogo de baralho.
Grande parte do preconceito dos RPGistas contra os jogos de cartas está primeiro na questão da confusão que os leigos fazem sobre o jogo, misturando dois universos bastante distintos. Outro motivo – e muito pertinente – é que de certa forma os jogadores mais novos aderiram aos jogos de cartas de modo tão, mas tão eficiente e impressionante que as editoras largaram mão da publicação de RPGs. Fato! Os jogos de cartas constituem um hobby caro – talvez mais caro que o próprio RPG, mas que não requer o esforço intelectual exigido pelos roleplaying games, em especial, o ato hercúleo e monumental de pensar. Imaginar então… vixe…
Bem, nada contra isso. Sou Mestre (e só Mestre) de RPG desde 1992 e sou, ao mesmo tempo, adepto dos jogos de cartas, em especial os que envolvem duelos, acreditando piamente que existe espaço grande o suficiente para os dois. O mais interessante dos jogos de cartas é a sua característica de ser também um item colecionável, só que com figurinhas bem mais caras e bem mais sofisticadas daquelas que colecionávamos na infância. Não conheço muita gente que coleciona livros de RPG pelo simples ato de colecionar… Estes jogos de cartas são compostos pelos Decks (que variam de 40 a 60 cartas em média, sendo o maço do jogador) e os Booster packs, pacotes com cartas raras para que o jogador possa aprimorar o poder de fogo de seus decks.
Grande parte dos jogos a que me refiro são impressos na Bélgica, com uma qualidade gráfica impressionante. Já os que são relacionados a filmes ou livros famosos no meio nerd são um primor para os olhos, trazendo referências a universos que tanto gostamos. É impossível não abrir um sorriso quando você baixa a carta de um Destróier Estelar em Star Wars CCG, imaginando as várias possibilidades que aquela navezona pode fazer para te ajudar no jogo.
Comentei sobre algumas das possibilidades mais óbvias no meio dos jogos de cartas. Para os interessados, temos logicamente o Magic: The Gathering, super consolidado no meio e que já tem longos anos de história. Como dito anteriormente, no Magic cada jogador representa um mago que controla um ou mais de 5 fontes de mana. Nessa lógica, o mago ou moldador consegue extrair a força mágica de cinco tipos de terreno, gerando as fontes verdes (Florestas), azuis (Ilhas), brancas (Planícies), vermelhas (Montanhas) ou negras (Pântanos). Após canalizado o poder mágico destas fontes, o mago pode invocar criaturas e outras magias que atacam o oponente. Simples e sofisticado ao mesmo tempo, fazendo inveja a qualquer jogo de buraco.
Um jogo antigo de relativo sucesso no Brasil foi Spellfire, também um dos mais próximos do mundo dos RPGs por trazer em suas cartas ilustrações de sistemas consagrados como o Advanced Dungeons & Dragons. Cada jogador controla ao menos 6 territórios (estes que podem ser dos mundos rpgísticos de Faerûn, Mystara, Greyhawk, etc), criando exércitos de soldados, magos, clérigos e criaturas para defender suas fortalezas com unhas e dentes. O jogo em si não durou muito, dada a sua baixa competitividade com jogos melhor elaborados… Aham, como o Magic…
A White Wolf, famosinha por lançar os RPGs famosos Vampiro e Lobisomem, também teve a sua cota de jogos de cartas, igualmente fracos e que perderam espaço para o Magic. São eles o Jyhad (para os vampiros) e Rage (para os lobisomens). Seu sistema e jogabilidade confusos deixaram muitos jogadores irritados (principalmente os árabes com o papo de Jyhad)… mas também, que idéia hein? Só faltou um jogo de cartas de Crepúsculo.
A Decipher reinou soberana por anos ao criar dois jogos de cartas de sucesso, o Star Wars CCG e o Star Trek CCG. Em ambos é evidente o empréstimo da lógica de jogos de tabuleiro, com o jogador movendo seus personagens e naves entre sistemas estelares e cenários famosos de ambas as franquias. Contudo, acredito que o Star Wars CCG ainda é muito melhor que o nebuloso Star Trek, dado o maniqueísmo claro entre o Lado da Luz e o Lado Negro da Força que se aplica perfeitamente em um jogo de duelo. Veja bem, por não ter nenhuma facção tão demarcada em Star Trek, o jogo se pendura na realização de dilemas extraídos de episódios e não numa disputa clara com o seu oponente, deixando as partidas morosas, lentas e intermináveis.
Uma das minhas mais recentes aquisições é o Middle-Earth: The Wizards, um jogo em que a premissa está em controlar um dos 5 magos da Terra-Média contra as forças de Sauron. Dessa forma, o jogo incentiva a criação de histórias paralelas ao que ocorreu no livro O Senhor dos Anéis, gerando narrativas únicas em cada partida e com os personagens que tanto amamos e, o mais importante, no cenário mais impressionante já criado para os nerds, a Terra-Média.
Outra aquisição recente é o Conflictus Aeternus, um jogo de cartas super recente e, adivinhem, nacional, o que barateia demais o custo dos decks e das cartas em si. O objetivo principal do jogo é acabar com o maço de cartas do oponente, chamado de mons. Com o uso de guerreiros, equipamentos, amuletos e relíquias, cada jogador duela com base em fontes de luz claras e escuras. Apesar de lançado no segundo semestre de 2012, o Conflictus Aeternus goza de sucesso e já tem o lançamento da sua segunda edição confirmada para os próximos meses. O jogo é voltado para aqueles que curtem partidas rápidas, sendo também uma opção viável para aqueles que ficam intimidados pelos preços dos jogos convencionais (quem entende dos preços destes jogos sabe do que estou falando…). O jogo foi indicado pelo Wendell, da White Nerd e que mantém um senhor acervo de cardgames.
É assim. Nem sempre a gente tem tempo e paciência para partidas demoradas com personagens e aventuras que demandam horas, dias ou anos de criação. Existem sistemas que permitem aos jogadores uma partida rápida, limpa e extremamente divertida, em especial, os jogos de cartas, ainda mais quando são ambientados em livros e filmes que são absurdamente estimados por nós, nerds. Compre um deck de iniciante agora mesmo, estude suas opções e chame seus amigos para verem como você também pode fazer magia.
Victor Hugo, O Moldador