Demorei muito para começar a ler a literatura de horror de H. P. Lovecraft( 1890 – 1937). Sempre me indaguei da relutância. Provavelmente a relutância derive da minha aversão ao racismo do escritor. Ou então também da falta de vontade, não sei ao certo. Mas recentemente venci essa muralha e decidi comprar e ler o livro “O Caso de Charles Dexter Ward” na edição da L & PM Pocket Horror com tradução de Ana Maria Capovilla. E ao ler as duas primeiras páginas da obra percebi o bom tempo que havia perdido em não ler as obras de Lovecraft.
“O Caso de Charles Dexter Ward” é um livro com uma trama relativamente simples: o jovem Charles Dexter Ward é um apaixonado por arqueologia. Sua paixão o impele a se aprofundar numa história familiar que remonta ao século XVIII e aos estranhos acontecimentos relacionados a um ancestral acusado de prática de bruxaria, Joseph Curwen. Charles Ward tem seus passos narrados de “maneira científica” por um narrador-psiquiatra que reconstrói todo o processo de aprendizado e pesquisa de Charles e seus primeiros sintomas do que seria sua loucura. Lovecraft brinca, de certa forma, com as razões por trás da mudança de comportamento em Charles Ward. E nos impressiona com uma trama bem amarrada e que instiga a leitura e o desejo de que o livro não acabe tão cedo.
Assim como os pais e o médico – Dr. Willett – que cuidou, por toda sua vida, de Charles Dexter Ward, vamos nos surpreendendo com os requintes de horror na trama. A alta magia permeia tudo que cerca Charles e ao leitor e leitora de Lovecraft impele uma certeza estranha de que este mundo desencantado que vivemos ainda mantém seus mistérios e sombrios segredos. Em “O Caso de Charles Dexter Ward” brinca, de certa forma, com a “segurança” que a Ciência nos dá. Existe algo para além da racionalidade? É seguro mergulhar num conhecimento proibido, como o relativo a alta magia? É sempre arriscado e no mundo do conhecimento proibido e com regras estritas, definitivamente, nada há de seguro para o iniciante. A loucura é apenas uma das possibilidades que podem cercar aquele e aquela que se destinam a essa realidade da alta magia. E Lovecraft expôs essa situação, ainda que de forma literária, muito bem aos seus leitores e leitoras.
A obra é dividida em cinco capítulos: 1. Um Resultado e um Prólogo, 2. Antecedentes e Horror, 3. Uma Pesquisa e uma Evocação, 4. Mutação e Loucura e 5. Pesadelo e Cataclismo. Essa estruturação, como dissse antes, é parte de uma narrativa científica de um caso que escapa do modelo científico. Todo o processo do caso de Charles Dexter Ward nos faz perder a segurança de um mundo racionalmente estabelecido. O Dr. Willett, personagem fundamental à trama, talvez seja aquele que realmente foi obrigado a vencer as barreiras que a ciência médica havia lhe assegurado. Ao mergulhar no caso de Charles Ward, o Dr. Willett descobriu um mundo de alquimia, bruxaria, possessão entre outras “aberrações” à sua racionalidade dura.
“O Caso de Charles Dexter Ward” é um livro que vale muito a pena ser lido. Meu próximo passo, agora, é rastrear toda a literatura de Lovecraft publicada no Brasil. E apreciar seu horror literário verdadeiramente elegante.
Ben Hazrael, direto do Poliarquias e do Cabaré das Idéias para o Ao Sugo