
“Eu te falei que a história do Arthas é bem melhor que a do Anakin Skywalker!” – Marcus Vinícius
O ataque desferido ao sul de Amparo foi mais do que o suficiente para instigar os maiores medos na alma do príncipe de Lordaeron, Arthas Menethil. O príncipe foi enviado juntamente com Jaina Proudmoore para investigar as misteriosas mortes ao norte do reino e pode observar, com grande amargura, o plano pérfido da Seita dos Malditos. O misterioso grupo tinha contaminado carregamentos de grãos com uma peste demoníaca, levando todos os que consumissem o alimento à morte certa. Não bastasse a covardia, as vítimas do ataque retornavam ao mundo dos vivos em uma meia-vida distorcida e pervertida. Arthas estava perdendo seus súditos, um a um.
Em Amparo, a comitiva real descobriu pelo arcano Kel’Thuzad que a seita cumpria as maquinações do lorde infernal Mal’Ganis, no momento aguardando o príncipe na grande cidade de Stratholme. A fúria e a impotência cegava o filho do rei Terenas Menethil II da cilada mais do que óbvia: contrariando os conselhos de Jaina e de seu mentor, o paladino Uther da Ordem da Mão Prateada, Arthas reuniu os homens que considerava leais e partiu para o encontro que mudaria o seu destino de forma sem igual.
Stratholme, com toda a sua muralha de pedra, caiu como um castelo de cartas, queimando até os dias de hoje como mil sóis. Longe de ter sido vítima de Mal’Ganis, a maior cidade do norte foi subvertida pelas ações de um príncipe ensandecido pela impotência. “É melhor invadir e matar todos antes que este povoado caia às desgraças da Peste”, dizia Arthas, ao organizar uma patrulha para tomar a cidade. Seus cidadãos o receberam com felicidade e glórias, para depois serem todos covardemente assassinados pelo paladino que deveria ser o novo rei de Lordaeron. O momento foi tragicamente conhecido como o Expurgo de Stratholme, mas poucos sabiam da chacina. A Chacina de Stratholme, deveria ser. E assim Arthas foi condenado, não pelos seus amigos, soldados, súditos e seu amor, mas condenado pela loucura.

Arthas – The Rise of the Lich King é sem sombra de dúvida um dos arcos mais impressionantes da história de World of Warcraft, ambientação de fantasia medieval de primeira qualidade que a cada dia que passa tem merecido mais e mais posts aqui no Ao Sugo. Escrito por Christie Golden em 2009, o livro reconta os eventos de Warcraft III – The Frozen Throne de maneira sublime, numa das maiores tragédias já conhecidas pelos nerds. Tudo dá errado. Nosso herói sucumbe às perversões da maldade e do poder, num roteiro infinitamente mais elaborado do que a palhaçada da queda de Anakin Skywalker para o Lado Negro da Força.
O meu preconceito com livros do gênero já foi bastante documentado, até que tal qual a cegueira de Arthas, fiquei refém dos livros de Richard Knaak como “uns dos melhores que já dentro deste rol de literatura de fantasia ‘blockbuster’”. Contudo, fiquei bastante surpreso com Christie Golden, escritora bastante conhecida de outros títulos das séries Warcraft e World of Warcraft, como também de Star Trek Voyager. Golden soube (ao contrário de George Lucas e sua saga bilionária da “nova trilogia de Star Wars”) narrar a derrocada do príncipe Arthas Menethil de modo fluido e impactante.
O romance traz as primeiras impressões de Arthas quando ainda menino, vendo seu colega Varyan Wrynn perder a família e o trono de Ventobravo para a grande invasão da Horda, já incutindo em sua cabeça os votos de que deveria proteger Lordaeron a qualquer custo. A sua primeira grande perda, a morte do garanhão Invencível, seria outro grande marco em sua juventude, mostrando-lhe a vontade insaciável do controle pela vida versus a impotência frente à mortalidade. O livro é dividido em três partes, sendo a primeira (The Golden Boy) voltada para a infância e juventude do príncipe, a segunda (The Bright Lady) já apresentando o seu envolvimento afetivo com Jaina Proudmoore e sua queda para o “Lado Negro. Por fim, na terceira parte (The Black Lady) vemos a invasão da cidade élfica de Quel’Thalas e a conquista da Coroa de Gelo, o que o transformaria no novo Rei Lich, líder dos exércitos dos mortos.

Se você é daquele tipo de leitor panaca que anda procurando livros de literatura fantástica sobre guerras de exércitos e grandes batalhas ultra realistas tal qual a chatice do Cornwell, esqueça. Arthas – The Rise of the Lich King é quase uma biografia, trazendo justamente como atrativo as impressões e reações do nosso príncipe frente às intempéries e viradas do destino que teve que enfrentar em Lordaeron. Em todo momento percebemos que Arthas toma todo o tipo de decisão pensando no bem estar de Lordaeron, obsessão que por fim o subverte e o corrompe. Tal distorção é facilmente percebida pelo Rei Lich, que passa a instilar em sua mente palavras de poder e de queda.
Arthas rapidamente se torna o Cavaleiro da Morte favorito do Rei Lich, comandando em Lordaeron as tropas dos mortos-vivos renascidos pela maldição da Peste. Ao contrário de morrerem pela maldição dos grãos contaminados e serem ressuscitados sem nenhum fiapo de vontade própria, estes seres pervertidos retornam ao mundo dos vivos sabendo sobre quem já foram no passado, mas realizando atos cruéis a mando do Rei Lich. Daí a maldição, de renascer como uma criatura vil e assassinar os seus familiares e amigos a contragosto, sabendo da obscenidade da situação, mas não podendo fazer absolutamente nada para interromper as pérfidas ordens do rei dos mortos e seu novo campeão.
Apesar de ser uma história com zumbis ou mortos-vivos repleta de clichês (grãos contaminados, “renascimento” ou maldição por conta de uma doença, etc.), é importante dizer que estes “zumbis” são diferentes de todos os outros que conhecemos. Nesta ambientação eles adquirem essa densidade trágica, percebida de maneira sublime por Evelyn Fredericksen no conto “A Estrada para a Perdição”. Neste conto oficial temos um momento em que o marido é assassinado pela própria esposa, já amaldiçoada, mas que durante o ato chora um choro abafado, um lamento inominável, um murmúrio indescritível, justamente por saber que está tirando a vida de seu amado.
Esta percepção dos mortos-vivos como criaturas inomináveis e perdidas em maldição também pode ser transpassada para o próprio Arthas, como sugere belamente o livro de Golden. Assim como o choro contido dos mortos-vivos por serem obrigados a realizar atos vis, Arthas percebe que suas escolhas nem sempre são corretas, criando assim um verdadeiro conflito de consciência durante todo o livro. Para o bem de seus súditos, Arthas chacina-os, persegue-os, paradoxo que ele mesmo não sabe como lidar em todo momento. Mesmo após sua fusão com o primeiro Rei Lich e a subsequente tomada do poder, Arthas é um ser extremamente perturbado, capaz de realizar males terríveis em nome de uma moral distorcida e que se distorce todo momento.
O livro prepara os jogadores que estão prestes a entrar na expansão “A Fúria do Lich Rei”, o que pra mim foi de importância inquestionável. Foi somente após ler o romance de Golden que tive noção da dimensão da coisa toda. De acordo com o Marcus, a expansão pode ser considerada como o último grande arco de World of Warcraft e, de fato, não tiro o mérito de suas palavras. Após ler a história que passei a compreender a ambientação de uma forma diferente, inclusive a própria trilha sonora, esta que adquiriu um novo significado pessoal.
Da minha experiência in game, pude realizar a instância “O Expurgo de Stratholme”, cenário que permite ao jogador reviver os momentos narrados acima. Confesso que fiquei um pouco decepcionado. Apesar de ser exatamente igual a tudo narrado na história que li, no jogo fica, além de “colorido demais”, “mecânico demais”. Nesse momento percebi a densidade da narrativa de Golden que, com certeza, deixou o negócio muito mais interessante. Recordo-me claramente que quando li a passagem de Stratholme no livro, tive que fechar o mesmo e deixá-lo quieto por um tempo, tamanho o peso da tragédia tal como foi contada. Ainda assim, a expansão A Fúria do Lich Rei é sem sombra de dúvida a minha favorita, não se engane.
Sem uma versão para a língua portuguesa, Arthas – The Rise of the Lich King é com certeza um dos meus livros favoritos da ambientação de World of Warcraft, trazendo um dos personagens mais complexos e mais ricos já criados no mundo da literatura de fantasia. O livro é escrito de forma que qualquer pessoa pode ler sem problema algum, mesmo nunca tendo jogado Warcraft III, WoW ou mesmo sabendo da história pregressa de Arthas. “Fechado”, é uma excelente sugestão para aqueles que estão procurando umas horas de pura e simples diversão. Sobre meu último comentário, detesto histórias de zumbis… contudo, está aí uma das únicas ambientações que eu aprecio a aparição destas criaturas perdidas.
Victor Hugo, Elfo Noturno, Druida nível 82
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