Genial não é, mas com certeza é muito divertido. Aliás, nunca foi tão divertido gostar de um demônio como protagonista de uma das minhas histórias favoritas. Falo de Hellboy, criação de Mike Mignola na década de 90 que cativou uma série de fãs das Histórias em Quadrinhos. O princípio e esboço dos personagens foram introduzidos na Comic Con de agosto de 1993 com 1500 cópias de um panfleto de 4 páginas, anunciando a vinda de um gibi um tanto quanto diferente. A premissa de Hellboy foi apresentada a uma mesa de executivos na DC Comics, contudo, rejeitada pela idéia de Inferno[i] na trama toda, sendo publicada então pela Dark Horse em 1994 com Sementes da Destruição. Hoje começa no Ao Sugo uma série de especiais sobre o Hellboy, um artigo para cada arco de saga do nosso herói.
Como dito no podcast Papo Lendário do blog Mitografias, Hellboy pode ser facilmente categorizada como uma das poucas Histórias em Quadrinhos plenamente autoral, visto que Mike Mignola encabeçou todas as edições lançadas até hoje, seja como escritor, roteirista ou desenhista. Os gibis do Vermelhão contam as aventuras de um demônio de chifres raspados com uma equipe de outras pessoas um tanto quanto exóticas na resolução de vários casos paranormais que ocorrem pelo mundo. Sim, sim, apesar de ser uma HQ cujo personagem principal é um… demônio, a pegada se aproxima de Arquivo X.
Hellboy faz parte do Bureau de Pesquisa de Defesa Paranormal, uma divisão secreta do governo norte-americano para a solução de casos inexplicáveis que ameaçam direta e indiretamente o bem-estar da população mundial. A instituição BPDP foi criada como resposta à iniciativa de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial de desenvolver pesquisas (bélicas inclusive) com o uso das Forças Ocultas, associando-se então com a Irmandade Thule[ii] de ocultismo.
No tempo de Sementes da Destruição o BPDP é encabeçado pelo gênio psíquico Trevor Bruttenholm, além da presença de Elizabeth “Liz” Anne Shermann, uma humana assolada por um passado de combustão espontânea e que possui certo poder pirocinético e, por fim, por Abraham “Abe” Sapien, um misterioso ser aquático encontrado nos subterrâneos do Hospital São Triani em 14 de abril de 1865 (e daí o nome, associado ao dia da morte de Abraham Lincoln). E sim, tudo começou de um jeito bem trash, lógico.
Enquanto os governos e seus pesquisadores das “ciências convencionais” corriam atrás da maldita bomba atômica para vencer a guerra (e de quebra, quiçá explodir o planeta inteiro, do jeito que são muito pouco inteligentes esses governos), o verdadeiro perigo residia justamente no Oculto. Ciente de forças antigas que dominaram e dominam as vidas humanas desde que o homem se entende por gente, Hitler reuniu um grupo de agentes devotados ao ocultismo em busca de uma nova arma capaz de vencer a guerra. Seriam eles, Klaus Werner Von Krupt, Leopold Kurtz, Ilsa Haupstein e Dr. Karl Ruprect Kroenen, chefiados por uma personalidade histórica… nada mais, nada menos que Grigori Yefimovich Rasputin!
Caso você tenha sido o infeliz que dormiu nessa aula de História, Rasputin foi conselheiro da família imperial russa Romanov logo no começo do século XX. Ao curar o pequeno Tsarevich Alexei da incurável hemofilia, Rasputin rapidamente ascendeu ao poder na Rússia tzarista, considerado por muitos como profeta, místico, visionário, curandeiro e até mesmo charlatão religioso. Quando conseguiu reunir para si poder demais, foi perseguido e num jantar com os Romanov foi envenenado, veneno expelido graças a uma bendita úlcera que o salvou da morte imediata… #NOT! Tendo sobrevivido ao veneno, foi castrado, levou 11 tiros e sobreviveu, sendo então jogado ao extremamente gelado rio Neva e morrendo, por fim, por afogamento. As lendas urbanas dizem que seu corpo desapareceu, alimentando então o mistério de que Rasputin estaria vivo graças aos seus conhecimentos de ocultismo.
Logo antes da Segunda Guerra Mundial Rasputin conheceu Himmler, prometendo ao Fuhrer a chance de vencer a guerra e não só isso, implantar de vez o seu projeto da raça ariana. Em 12 de dezembro 1944 e com o auxílio de sua equipe nazista, Rasputin invocou em uma pequena ilha escocesa a Serpente, o Dragão da Revelação, Ogdru Jahad! Os Sete-em-Um compunham um monstro semelhante ao Cthulhu de H.P. Lovecraft, as Sete Bestas que trariam o Apocalipse e varreriam a raça humana de uma vez por todas, trazidos ao nosso mundo por Anung un Rama.
Felizmente os Aliados descobriram os planos secretos do Fuhrer, tudo graças à reunião de três gênios da Sociedade Britânica Paranormal, o professor Malcolm Frost da Universidade Blackfriar, Trevor Bruttenholm, o gênio psíquico e Lady Cynthia Eden-Jones, a maior médium da Inglaterra. Tinham à disposição o batalhão do Sargento George Whitman, do exército dos Estados Unidos e o suporte do herói Tocha da Liberdade, todos imediatamente estacionados na ilha de East Bromwich. O que não sabiam os nazistas é que, apesar de estarem ao norte invocando Ogdru Jahad, foi bem na ilhota ao sul e na mão dos Aliados, que chegou uma entidade infernal. E assim surge Hellboy.
Tudo o que acabei de falar está compreendido na primeira edição de Sementes da Destruição, sendo uma espécie de prólogo e apresentação dos personagens principais aos leitores. Já na parte 2 que o leitor pode descobrir mais sobre Ogdru Jahad, Rasputin e este universo paranormal que circunda o nosso herói. Tendo sido criado pelos Aliados (mais especificamente por Trevor Bruttenholm), Hellboy se afastou de seus deveres “infernais” para ajudar os humanos no dia-a-dia com os infinitos dilemas paranormais que nós, pobres mortais, não conseguirmos ver. E aqui finalizo a sinopse de Sementes da Destruição, deixando ao leitor a tarefa (prazerosa) de ler e conhecer melhor este universo maluco de Mike Mignola.
Uma característica marcante das HQs de Hellboy é justamente o seu teor pesado e dark, certamente inspirados no clima criado por H.P. Lovecraft. Para os ignorantes de plantão, Lovecraft é considerado um dos maiores escritores de Horror de todos os tempos que, confesso, junto com Edgar Allan Poe, conseguiu me apavorar com um simples livro. A inovação de Mignola é justamente trazer essa atmosfera pesada para o mundo dos quadrinhos, tarefa que nem sempre é fácil.
Sementes da Destruição foi parcialmente adaptada (e muito simplificada[iii], a meu ver) para o cinema, sendo, dos dois filmes do Garoto Infernal dirigidos e produzidos por Guillermo Del Toro, a que mais se aproximou do ambiente criado nos quadrinhos de Mignola. Apesar de Del Toro ser um dos meus diretores preferidos e ser declaradamente fã de carteirinha de Hellboy, as adaptações para o cinema certamente prejudicaram o desenvolvimento dessa atmosfera lovecraftiana de Hellboy na telona. Excesso de efeitos especiais e até mesmo o excesso de humor e amor no enredo extraíram de Hellboy todas as suas características mais interessantes. Como o cinema atinge muito mais pessoas do que as Histórias em Quadrinhos, a maioria que acha que sabe um tico do Vermelhão não sabe nada na verdade.
Longe dos desdobramentos filosóficos e metafísicos de Sandman e, extremamente distante da reflexão e masturbação política de V de Vingança ou Watchmen, Hellboy é um dos meus títulos favoritos, eu que nos dias de hoje procuro selecionar com muito cuidado as HQs que vou comprar e ler. Apesar da atmosfera ser pesada e com toques de Lovecraft no meio da receita, a leitura de Hellboy me agrada pela simplicidade do roteiro, excelente quando desejamos ler algo sem muito compromisso. Contudo, a leitura de Hellboy tem uma ordem específica, sendo Sementes da Destruição o primeiro arco de saga a ser lido. No meu próximo post do Garoto Infernal trarei um review de sua continuação, O Despertar do Demônio, de quebra um dos meus favoritos.
Victor Hugo, à prova de fogo
Hellboy – Sementes da Destruição (Seed of Destruction) 1994
Argumento e Arte – Mike Mignola
Roteiro – John Byrne
Cores – Mark Chiarello
Cores da Capa – Mike Sinclair
Logotipo – Kevin Nowlan

[i] O que, realmente, me espanta. Já na década de 80 o selo Vertigo da supracitada editora de quadrinhos usava e abusava das idéias menos ortodoxas em suas histórias, citando, apenas para dar uma clareada, Sandman e Hellblazer. Pois é, Hellblazer…
[ii] Essa informação está presente no primeiro filme do Hellboy, o que não é indicado claramente nas HQs.
[iii] Verdade seja dita, gosto muito dos dois filmes de Del Toro, em especial o The Golden Army, adaptação que mais longe ficou do universo de Hellboy. Com o devido respeito às adaptações, esse afastamento dos filmes em relação às HQs criaram uma cisão entre os fãs que já liam os quadrinhos.
Pô, eu curti os filmes, agora quero ler, hein?
Quando vai rolar de eu ganhar um de presente, hein? HAHAHA
Opa Tai,
Eu também gostei demais dos filmes, especialmente o Golden Army. Acho que no Hellboy 2 o Guillermo Del Toro estava livre, leve e solto e foi excelente! Contudo, se vc ler a HQ, vai ver que são coisas bem diferentes. O Ben Hazrael por exemplo não gosta nenhum pouco dos filmes de tanta mudança que foi feita… Mas vale sim ler.
Abração,
Victor Hugo
PS.: Ahah, eu também quero
Acredito que Hellboy é uma das melhores produções de HQ nos últimos 20 anos. Não tem muitos tremeliques de roteiros inundados de voltas e reviravoltas e continuidades e descontinuidades como a DC e a Marvel faz com seus heróis e heroínas, é simples, ainda que seu ambiente seja rico o suficiente para fazer o HQnauta praticamente exigir novas produções. Já os filmes…bom, os filmes são outra coisa e não o Hellboy e isso não é fundamentalismo nerd, quem ler as HQ e assistir aos filmes notará isso. Igualzinho o filme Constantine. Aquele não é John Constantine. É o Pastor João, ou Constantine – exorcista profissional.
Parabéns pelo post, bastante completo e cheio de informações. Muito útil para quem não conhecia muito o universo de Hellboy.
Opa, muito obrigado pelo comentário, Mayara. Acredito que tenha visto os outros artigos sobre Hellboy aqui no Ao Sugo, certo?
Abração,
Victor Hugo