Trekker assumido há vários anos, não chega a ser novidade o número crescente de posts no Ao Sugo sobre a franquia Jornada nas Estrelas. Depois de 18 anos acompanhando os seriados, filmes, livros, quadrinhos, jogos e qualquer outra coisa que tenha sido lançada, os que me conhecem já me viram falar muito bem e muito mal disso tudo. De fã entusiasta da Série Clássica, Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager e até mesmo ex-colunista de literatura Sci Fi no extinto JornadaBBS, como quase todo trekker com um mínimo de senso crítico (ou seja, o que ainda muito porcamente me diferencia dos trekkies freaks maníacos), assisti a franquia em seus vários momentos, inclusive o fim doloroso propiciado por Voyager, Enterprise e filmes de baixíssima bilheteria.
Ok, existem episódios excelentes em ambos os seriados que merecem destaque. Já ouvi isso várias vezes, que trekker que é trekker gosta dos episódios, filmes, quadrinhos e livros bons e ruins, contudo, ainda não consegui engolir o último filme Star Trek de J.J. Abrahms[i]. Com a missão de revitalizar uma franquia agonizante, minha impressão é que nosso camarada produtor de LOST fez de tudo para fazer com que Roddenberry se revirasse no caixão, isso é, se não tivesse sido cremado e suas cinzas espalhadas no espaço. Zoneando em cima de 40 anos de Universo Trek, os roteiristas do novo filme se aproveitaram da desculpa preguiçosa do “reboot” e das “realidades paralelas” para conquistar novos fãs, mas deixando muitos outros revoltados pelo mundo afora.
Depois do veneno com os filmes, venho para falar de coisas boas[ii], desta vez do mundo dos quadrinhos. Apesar da falta de canonismo (e respeito) e de uma coordenação de marketing melhor estruturada no universo de Jornada por parte da Paramount, estão saindo por aí histórias excelentes. Há alguns anos nas mãos da IDW Publishing, os novos títulos de Star Trek para os quadrinhos estão realmente valendo a pena serem comentados, alguns revolucionando o estilo de Jornada nas HQs.
Como já comentado no post Jornada em Quadrinhos, a franquia de Roddenberry no mundo do gibi é algo antigo, remontando até mesmo às décadas de 70 e 80. No Brasil foram bastante populares as fases de Jornada pela DC Comics, tendo em algumas das aventuras a chefia de Peter David, ex-Mulher Hulk e Fallen Angel, mas reconhecido no mundo trekker pelo livro Imzadi e pela série New Frontier. Já nas aventuras da Nova Geração, o roteiro ficava nas mãos de Michael Jan Friedman, outro veterano famoso por Star Trek – Day of Honor. Já a década de 90 foi pontuada pelas parcerias da Paramount Comics com a Marvel e depois Wildstorm Comics, lançando títulos como Deep Space Nine e Voyager que nunca chegaram traduzidas no Brasil.
Aí chega a IDW! Criada como Idea and Design Works em 1999 por Ted Adams, Alex Garner, Kris Oprisko e Robbie Robbins, a quarta maior editora de quadrinhos dos EUA já vem carimbando o seu espaço com várias indicações para o prêmio Eisner. Explico: mesmo sendo uma editora bastante nova, a IDW adota em vários dos seus títulos uma arte absurdamente ousada, como no caso de The Groom Lake em que Ben Templesmith simplesmente destrói várias convenções do universo destas publicações. Vista até onde sei apenas em títulos das veteranas DC Comics – Vertigo e da Dark Horse, a IDW chega com os dois pés na porta. E aí que está a graça da coisa.
Responsável por “revitalizar” a franquia de Jornada no mundo dos quadrinhos pós-Paramount/Wildstorm Comics, a IDW lançou no mercado alguns títulos memoráveis como Star Trek – The Next Generation: Intelligence Gathering (2008), com o roteiro nas mãos de Scott e David Tipton e a arte nas de David Messina. Juro que este arco de 4 edições foram até onde nenhum homem jamais esteve: um teletransporte excelente de um formato para outro. Pois é, sem brincadeira. Nestas 4 edições esses irmãos conseguiram reunir os melhores elementos do seriado Jornada nas Estrelas – A Nova Geração sem forçar a barra, isso, se forçar a barra. Explico de novo.
A dificuldade em transportar uma mídia de um formato para outro nem precisa ser discutida. Como fazer caber em menos de 40 páginas mensais a mesma dinâmica de um episódio de 45 minutos para a televisão, seja pelo roteiro que deve lembrar o passo do seriado e, muito importante, respeitar as premissas do criador, seja pela arte em si que não deve exagerar com efeitos especiais “a mais” e que, ao mesmo tempo, não deve pecar por mostrar “de menos”. Como diz Lorde Morpheus em Sandman, muito infelizmente intenção e desenlace nem sempre são coincidentes, devendo trazer dois exemplos de morte na plataforma do teletransporte.
Como primeiro exemplo, basta retornar às aventuras de Peter David[iii] na primeira Enterprise ao trazer personagens nunca antes vistos no mundo de Jornada para muito perto da trama. Apesar da diversidade ser o mote dos seriados, se tal personagem “Tenente Fulano” nunca apareceu em um mísero episódio televisivo, é difícil convencer o leitor de que aquela história impressa tem muito mais a ver com Jornada para além do uso dos nomes, naves e sabe-se lá o que mais[iv]. Já como segundo exemplo, apresento o caso de Star Trek – Deep Space Nine: N-Vector (2000) da Wildstorm que, apesar da arte[v] ser primorosa, traz um enredo de gibi de super-herói, coisa que nunca apareceu também em nenhum seriado da franquia. Vejo que aqui aconteceu algum problema no teletransporte. Chamem o Chefe O’Brien.
Um leitor fã da Nova Geração me abre a primeira edição de Intelligence Gathering e já encontra lá elementos que são bastante familiares. Holodeck. Personagens que já conhecemos bem, finamente trabalhados na HQ. Trama: suspense, mistério, dentro do que quem já assistiu ao seriado conhece. Feitos mirabolantes? Não. Os Tipson trouxeram então algo novo e fantástico que promete inovar o Universo Trek sem precedentes? Não. Fizeram o arroz-e-feijão e, com isso, foram bem-sucedidos no enredo.
Para dar conta da trama principal ao ser dividida em 4 edições os Tipson criaram respectivamente subtramas, relacionadas, porém, ao desfecho principal. Isso significa que esse pessoal bolou a história antes de escrever, diferente de praticamente tudo o que aconteceu nos 3 primeiros anos de Star Trek Enterprise, nos últimos filmes e sabe lá o que mais. Como peças de um quebra-cabeças, cada subtrama se encaixa – de maneira humilde, devo dizer – ao propósito do enredo, tendo nestas 4 edições 4 clímax diferentes, além do desfecho final. Digo “humilde” pois ninguém tentou salvar o universo do sindicato trabalhista romulano/remano, ninguém criou um clone do capitão Picard para enfrentá-lo no futuro, ninguém achou o planeta-fonte-da-juventude, ninguém matou um capitão renomado e muito menos criaram uma realidade paralela para justificar as asneiras de roteiristas espertalhões.
Não gostaria de me alongar muito mais sobre esta HQ memorável, uma vez que a parte mais legal é a surpresa que o leitor toma ao chegar no final. Longe de ser um plot-twist, aparentemente os Tipson sabiam exatamente o que os fãs queriam ver num gibi de Jornada, demonstrando um respeito absurdo para com as idéias de Roddenberry e com o fandom que já está bastante cansado de tanta besteirada. O efeito é uma aventura dinâmica, cuja estrutura está adequadamente dividida nestas quatro edições sem deixar a peteca cair.
Já o trabalho de David Messina merece um comentário à parte. Autor de Star Trek – Klingons: Blood Will Tell (2007), Messina não ousa como Toby Cypress, contudo, atualiza a linguagem visual dos títulos anteriores graças à parceria com Ilaria Traversi na coloração e no bom uso da pintura pelo computador. Temos então um traço limpo e preciso, colocando Intelligence Gathering em uma posição privilegiada. Para os leitores ocasionais de quadrinhos a diferença pode ser sentida nas duas capas presentes nas 4 edições, sendo a primeira de Messina e a segunda de outros autores, trazendo um desenho menos pesado e, por que não, dentro do século XXI.
Leitor e colecionador velho de HQs, confesso que há alguns anos eu só consigo ler os títulos da Vertigo ou então Hellboy da Dark Horse. Todavia, Intelligence Gathering vale a pena comprar, respiro saudável na franquia que tanto gostamos. Nota 10. Vida Longa e Próspera.
Tenente Comandante Victor Hugo, expulso da Seção 31
Imagens: Star Trek – The Next Generation: Intelligence Gathering (2009) – IDW Publishing
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Notas:
[i] Um produtor e diretor que se torna responsável por revitalizar tal franquia e diz abertamente que nunca gostou muito de Star Trek é a primeira ofensa aos fãs. Dizer depois que faltava um pouco da ação e dinamismo de Star Wars em Star Trek é outra, ainda mais para o criador que estava propondo, justamente, algo diferente. Apesar de ser aclamado como um dos diretores mais inteligentes da atualidade, só nestas duas afirmações já demonstra que não entendeu nada de Star Trek. Está é “perdido”, me desculpem o trocadilho… segundo meu irmão, “produtor de LOST, acabou dando um LOST em Star Trek.”
[ii] E dos bons quadrinhos, pois assim como em Star Wars, muito lixo já foi produzido nos quadrinhos de Jornada… Apesar de Peter David ser um excelente escritor de livros da franquia, não, não gostei da sua “licença poética” pra lá e pra cá nos quadrinhos, em especial por acrescentar em cada história 1583 alienígenas novos na Ponte de Comando. Outra coisa que eles não entendem, inclusive o pessoal que faz os filme, especialmente, o Sr. Abrahms: nós, fãs, acompanhamos os seriados por eras, conhecemos e nos identificamos com alguns dos personagens, queremos ver desdobramentos com as relações e questões surgidas na televisão, não alienígenas novos que em 40 anos nunca apareceram. David se tocou da tragédia e decidiu criar sua “série”, Star Trek – New Frontier, cuja nave Excalibur parece um circo de horrores com tantos alienígenas nunca antes vistos na Frota…
[iii] Apesar da implicância, o livro Imzadi de David é um dos melhores que já li da Nova Geração. Mas é livro, não gibi.
[iv] Verdade seja dita, me parece que o verdadeiro problema desses roteiristas e novos produtores, diretores, etc, nunca assistiram Star Trek com o devido afinco antes de mexer na coisa toda. Por que criar 1583 novos inimigos sendo que já existem vários no universo trek? Por que histórias mirabolantes nas HQs e nos filmes lembrando feitos de super-heróis se a discussão nos episódios televisivos está ancorada nos problemas… humanos? O pessoal não está é fazendo a lição de casa.
[v] Arte de Toby Cypress, realmente ousada para 2000 e que, na minha opinião, ainda é ousada em 2011 para uma HQ que não faz parte de um selo editorial adulto como o Vertigo. Infelizmente o enredo de K.W. Jeter é fraco para a aventura proposta, forçando um gancho bastante inverossímil no meio dos episódios da sétima temporada de DS9. Isso não é mera implicância: os fãs reconhecem a história e, nessa altura do campeonato, muitos já assistiram e reassistiram aos episódios várias vezes. Não cola, não cola.
Olá. Achei interessante saber da existência de HQ de Star Trek.Ainda tenho muita coisa da Nova geração pra colocar em dia, episódios e mais episódios ainda não vistos, e agora também HQs…hahaha…Só vou discordar num ponto, eu gostei muito do último filme.Foi uma estratégia usar o esquema de criar um universo alternativo? Sim, mas mesmo assim eu achei o filme muito bem feito.
Abs
TNG revigorou o universo Star Trek. Abriu portas para Deep Space 9 (provavelmente com o melhor “último episódio” da franquia), Voyager e Enterprise. Mas arrisco dizer que a melhor das séries foi Voyager.