É simples. Você, pré-adolescente, acompanha com péssimo humor os seus pais para a casa nova. Emprego novo do pai ou da mãe ou whatever acabam mudando toda a rotina de todo mundo. No dia do seu aniversário, ao invés de um belo bolo, você ganha a mudança para uma casa desconhecida, isso sem contar que em alguns dias passará a freqüentar uma nova escola com outros pré-adolescentes que você nunca viu na vida. No meio do caminho até a casa nova o seu pai, todo fanfarrão, mete o pé no acelerador e consegue se perder numa viela que sobe uma colina verdejante… Até dar de cara com um muro velho, vermelho e desbotado, separando a realidade em que vivemos de um mundo que alguns diriam “maluco”. Pois bem, eu diria fantástico.
Já conhece essa história? Pois bem, a idéia não é absurdamente inovadora, mas é e sempre será genial, presente lá atrás nos livros da Alice de Lewis Carroll. Estou falando da obra prima que colocou os Estúdios Ghibli no mapa aí no Ocidente e que cuja tradução não dá muito certo nem em inglês nem em português. Falo da animação de Hayao Miyazaki, Sen to Chihiro no Kamikakushi, A Viagem de Chihiro. Neste filme o telespectador é levado junto com a valente Chihiro para o fantástico mundo japonês do invisível e do fantástico. Para alguns nem é o melhor filme de Miyazaki, não possui a graciosidade de Tonari no Totoro e nem a temática profunda de Mononoke Hime ou Kaze no Tani no Nausicaa, mas foi o filme que me pegou de jeito.
Após essa introdução cheia de linguiça eu venho para contar uma pequena aventurazinha, livre dos disparates que Chihiro enfrentou, contudo, igualmente surpreendente. Há poucos dias estive no Museu dos Estúdios Ghibli, em Mitaka, próximo de Tóquio. Num dia com previsão de neve saí de Shinjuku e decidi visitar a instalação que estava separada de mim por algumas estações da linha JR Chūō. Chegando em Mitaka, tive que andar por quase vinte minutos por um caminho todo demarcado com tabuletas de metal com várias criaturas das animações de Miyazaki. O fim do percurso ficou muito claro quando me deparei com um pequeno parque, muitas crianças e… o imenso Totoro aguardando o ticket logo na entrada.
Sabe aquelas construções imensas, imponentes e arrogantes que dão dor no pescoço para conseguir ver todo o prédio? Bem, não é nada disso. Pequeno e bastante aconchegante, o Museu D’Arte dos Estúdios Ghibli conta em cinco salas repletas de apetrechos, desenhos, storyboards, celulóides, câmeras, livros de referência, tintas e pincéis como uma animação é feita. Foi o primeiro choque. Não se tratava de um museu cujas salas ou atrações seriam inteiramente dedicadas aos personagens dos filmes do Miyazaki, assim como não ia trombar com alguém fantasiado em uma sala para tirar fotos comigo. Sem precisar seguir uma ordem de visitação, a idéia é apresentar ao visitante uma noção de cada etapa da produção de uma animação. E só.
E só é pouco. Falando assim parece algo banal. Como já mostrado na primeira sala, a peripécia de transformar uma sucessão de imagens estáticas em algo em movimento não é assim tão simples. Com cinematógrafos todos abertos em corte para o visitante poder olhar o funcionamento, além do famoso Zoetrope dos Estúdios Ghibli, existe aí uma passagem dessa etapa de “imagem parada” para “animação/filme” que não é facilmente explicável. Mesmo olhando o Zoetrope por mais de trinta minutos… bem, é incrível. Incrível como “ato de não acreditar”. O aparelho possui algo de 180 centímetros de altura, com várias plataformas circulares repletas de inúmeras miniaturas dos personagens de Tonari no Totoro, estando tais plataformas unidas por um eixo central. Quando aquele negócio gira e as luzes estroboscópicas se acendem, todas as miniaturas simplesmente se mexem, funcionam, enganam os olhos, enganam o cérebro, põe tudo a andar, correr, se mexer. Se eu disser que entendi perfeitamente como funciona, estarei mentindo. Ah, e não adianta procurar vídeo no Youtube ou ver foto pois nenhum faz jus à experiência.
Ainda na primeira sala você encontra pelo menos cinco Zoetropes, de um mais rudimentar até este que descrevi acima, fazendo com que o visitante, seja com 3 anos ou 83 anos de idade, possa entender o princípio da coisa toda. Por fim, aprende sobre cinematógrafos, vê como é um projetor de cinema antigo aberto – e funcionando – até um moderno projetor de cinema exibindo uma película animada. Já nas outras salas o visitante aprende sobre perspectiva forçada, criação dos personagens, storyboards, a impressionante pintura dos cenários, o estudo de cores, a passagem dos storyboards para o celulóide, sobreposição de planos, fotografia dos frames… ahhh, é muita coisa. Por fim, você pode assistir ao final do percurso uma animação feita exclusivamente para o museu no Cine Saturno. Sim, eles têm até um cinema lá dentro.
Definitivamente a instalação lúdica entrou para a minha lista dos Favoritos, sendo que a melhor parte é quando você sai do museu e volta para casa, agora com vontade de rever todas as animações. Isso eu achei muito interessante, sobre a febre posterior que entrei em querer rever Tonari no Totoro, Tenku no Shiro Laputa e Kaze no tani no Nausicaa, agora olhando tais filmes com outros olhos. Depois de ter um rápido vislumbre de todo o trabalho e empenho que várias pessoas precisam empregar para produzir uma animação dessas, não tem como não ficar impressionado e, o mais importante, não encarar o produto final como algo único.
Foram dadas cinco sugestões de filmes a serem visitados e revisitados pelos elegantes leitores do Ao Sugo, em especial A Viagem de Chihiro e o making of que saiu no DVD brasileiro e norte-americano, narrando parte do processo criativo. Vai lá, compra o seu chocolatinho ou pipoquinha e assiste, independente da imersão que esse filme vai lhe causar ou lhe puxar o chão em menos de 10 minutos. Aí depois quero ver se você vai falar que “desenho animado é coisa de criança”.
Victor Hugo
Deve ter sido mesmo uma experiência e tanto!
Até consegui imaginar como é, mas duvido que eu chegue perto do que realmente significa estar lá.
E já assisti há tempos o making of d’A Viagem de Chihiro. Alguns pontos me falham a memória, talvez eu deva mesmo assistir novamente.
Bem legal, Victor!
Se eu comentar como traduzi
“Tonari no Totoro”
e
“Tenku no Shiro Laputa”
… o Vic me mata hahahaha
Certamente não é permitido, mas adoraria ver fotos do lugar. Esse post me deu vontade de rever essa obra tão linda e encantadora.
Mais um parabéns, Ao Sugo sempre trazendo coisas bacanas e diferentes para os leitores.
Beijão Victor.
Xará! Poxa, que experiência maravilhosa! Tenho muito apreço pelo diretor/animador e um sonho em conhecer o museu.
Já discuti, já defendi e persisto: pra mim Miyazaki é maior que Disney. O que ele cria é algo totalmente inovador, visualmente vislumbrador, esteticamente perfeito e cria sonhos irreais e torna-os “reais” aos olhos de crianças, adultos e idosos. Ele vai além de apenas querer agradar as crianças. Vai além dos contos de fadas. Ele vai na vida e pega nossos medos, brinca com eles, supera-os e nos faz ver que podemos viver como bem quisermos.
Obrigado por compartilhar sua experiência! O Ao Sugo sempre em alta!
Abraço!