Tron

Demorou, mas saiu. Assisti Tron – Legacy 3D na estréia numa sala japonesa. Contexto melhor impossível. Antes de vir para a Terra do Sol Nascente já sabia da promessa da continuação de Tron e, como bom nerd que sou, já tinha a minha poltrona cativa assegurada, aí ou aqui. E ao longo das últimas 3 semanas a minha opinião sobre os dois filmes da Disney, o original de 1982 e esse novo, tem mudado de maneira impressionante… todavia, parece que hoje as idéias se assentaram de maneira que venho aqui soltar as minhas impressões sobre a série cinematográfica, valendo um post breve para o Portão de Tannhauser.

Na segunda semana de dezembro de 2010 rapidamente procurei pelo Tron original (1982), não apenas para me preparar para a continuação mas, verdade seja dita, porque não lembrava nada daquela versão. Tron para mim se resumia ao imaginário da matriz, do ciberespaço, muito néon, motocicletas modernas que faziam curvas de 90 graus e confrontos ridículos à la Gladiador com um frisbee muito, mas muito safado. Contudo, por que assistir a Tron e o que coloca essa película no rol de uma das mais importantes produções cinematográficas dos últimos anos?

Dirigido por Steve Lisberger em 1982, Tron narra a história do hacker Kevin Flynn (Jeff Bridges) em busca dos seus direitos sobre suas invenções mirabolantes nos mundos dos arcades da década de 80, entre eles, o Space Paranoids e a matriz que transformou a empresa Encom num império da computação daquela época. Roubados pelo engenheiro espertalhão Ed Dillinger (David Warner), o mundo digital da matriz ou a “grade” (The Grid) seria monitorado pela inteligência artificial Programa de Controle Mestre, tendo cada funcionário da empresa um avatar ou uma versão digital virtual de si mesmo, um “programa” que passava o tempo em jogos mortais com um disco que assegurava a sua identidade pessoal e a sua existência nesse mundo maluco.

Como dito pela equipe do Nerdcast, a aposta do filme era introduzir um mundo virtual que continua ativo mesmo quando as pessoas desligam os computadores e os videogames, com vários programas operando e tendo uma vida paralela àquela conhecida pelos usuários. “Digitalizado” para dentro desse mundo virtual, Flynn teria a ajuda do programa Tron (Bruce Boxleitner) na luta contra o Programa de Controle Mestre, inteligência artificial que, como todo filme com a temática cilônia básica, se voltava contra seu criador. Bobinho, bem bobinho e não vou me alongar sobre a história do filme, sendo interessante que o leitor faça a sua própria exploração… Contudo, algumas coisas ainda devem ser ditas, especialmente para os incautos ou ignorantes que não sabem da importância desse filme muito bobo.

Tron não ganhou nenhum Oscar. Como dito nos extras do laserdisc de Tron e também no podcast The Greatest Movie Ever, como o filme era baseado na animação de chapas renderizadas de computação gráfica, para os jurados da Academia o filme trapaceava os princípios da animação 2D tradicional. E de certa forma era bem verdade, pois nem jurados, nem executivos e talvez pouquíssimas pessoas no mundo estavam entendendo o que estava acontecendo nos estúdios da Disney em 1981. Como um dos maiores estúdios de animação do mundo, a Disney vinha do trauma de O Abismo Negro (1979), filme live action de baixíssima bilheteria para adentrar com Tron ao inexplorado mundo da animação computadorizada em um filme que nem é animado por computador. Como assim?

Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, o primor e a inovação de Tron residia justamente na animação de imagens estáticas renderizadas em computação gráfica que eram sobrepostas às filmagens dos atores. Se hoje o uso de steady cams ou handheld cams é carne de vaca no mundo do cinema, em Tron temos o excesso de câmeras pontuais visando facilitar o complexo trabalho da rotoscopia e o matte-painting com imagens estáticas de computação gráfica que eram animadas quadro a quadro para serem inseridas na prova final. Calma… você não está entendendo?

É simples. Desde que Hollywood existe o uso de cenários pintados para simular um ambiente maior marcou a sua presença no mundo cinematográfico. Em O Mágico de Oz (1939) podemos ver o castelo da Cidade Esmeralda pintado sobre uma imensa tela que se funde com o cenário do estúdio onde ficava a famosa estrada de tijolos amarelos. Com a invenção do matte-painting as produções podiam sobrepor as cenas filmadas em telas menores ou filmagens de maquetes, dando a ilusão de estar imerso em um cenário impossível de ser construído nos estúdios… Isso é o matte-painting. Sobre a rotoscopia, em Tron não só os cenários como veículos que eram acrescentados às filmagens eram elaborados em computadores cujas placas gráficas não passavam de 2Mb e sem interface, gerando imagens futurísticas que seriam animadas à mão (isso é a rotoscopia!) e depois acrescentadas à prova final…

Isso quer dizer que, apesar de todo mundo dizer que Tron foi o primeiro filme feito com computação gráfica, na verdade era feito parcialmente em computação gráfica. Os caras geravam imagens computadorizadas estáticas, imprimiam trocentas imagens dessas em movimentos diferentes e animavam a coisa na mão, como numa animação 2D convencional, distanciando Tron de um Shrek da vida em inúmeros graus. Mas o trunfo de Tron não estava na animação em computação gráfica, meu caro mancebo… Buscando a criação de um mundo particular, a última coisa que Lisberger queria era criar uma animação que se assemelhasse ao mundo real, dando espaço para o surgimento de uma fantasia cuja estética e identidade visual estava fortemente vinculada ao que se pensava sobre computadores e computação na época. Imersos na ilusão futurística de muito néon e na fusão do real com o virtual, Lisberger criava sem saber toda a estética ou impressão visual de Ciberespaço que conheceríamos em toda a década de 80 e 90. Muito infelizmente Tron seria um fracasso para os estúdios Disney, tornando-se um trauma absurdo nas produções posteriores (notem, fim dos filmes live action e retomada à vapor da animação 2D, sucessos já há muito garantidos dos estúdios do Mickey Mouse), mostrando que de fato o mundo não estava preparado para entender o que Tron significava.

Como já dito aqui no Portão de Tannhauser, o ciberespaço pode ser pensado como uma alucinação consensual, uma área que só poderia ser acessada através da junção da realidade orgânica com a máquina. Seria uma realidade produzida e mediada pelos computadores, definida, no entanto, mais pelas interações sociais neste mundo artificial do que pelo próprio advento da tecnologia mais sofisticada (apesar de sabermos, pobres mortais, que para tanto precisamos da mais sofisticada das tecnologias). Pelo imaginário do ciberespaço do fim da década de 70 e começo da década de 80, Tron trazia para a gente a primeira impressão visível e talvez realmente “palpável” do mundo virtual, delimitado pelas famosas grades azuis. Pelas limitações tecnológicas da época, tudo não deixava de ser muito geométrico, até como os melhores equipamentos de Realidade Virtual até hoje são, mas apresentavam um universo totalmente novo e, lógico, fantástico.

O ciberespaço apresentado em Tron como “The Grid” se transformaria na Matriz ou Matrix da trilogia Sprawl de William Gibson, havendo pouquíssimas alterações em princípios básicos como os Rastreadores de Tron, Inteligências Artificiais de segurança que baniam os acessos inválidos de áreas protegidas, se transformando agora em ICEs (Intrusion Countermeasures Electronics)… Refinado por Gibson, a “grade” Troniana e o ciberespaço se transformavam numa realidade pelo menos artística, fundando assim o Movimento Cyberpunk, já tão falado aqui no Portão de Tannhauser.

Na década de 90 tivemos pelo menos 3 produções artísticas fundadas no ciberespaço, começando com a obra prima de Shirow Masamune Ghost in the Shell (1991) e suas animações, além de Homem Aranha 2099, uma série de quadrinhos de gosto altamente duvidoso (que eu até gosto, confesso) que usava e abusava da “grade” e da conexão entre Homem e Máquina por cabos e disquetes. Mas a bomba chegava na virada da década com Matrix (1999), uma mistura de Tron com Neuromancer e Ghost in the Shell que transformava o ciberespaço em uma realidade tão próxima da nossa num nível perturbador.

O ciberespaço nunca ficou tão próximo com a chegada dos Massively Multiplayer Online Role Playing Games como World of Wacraft, Second Life, Ragnarok, Lineage, entre outros, cuja aproximação é imprecisa e que merece uma discussão mais detida futuramente. Redes sociais como Orkut e Facebook também foram aproximados como criações de mundos virtuais inteiros que são iniciados e afetados por nossa presença física, mas que a partir de certo momento já existem por si só e por tempo indefinido. É tolo quem encara a comparação de modo leviano, pois desconsidera que através dessas nossas inferências e interferências no mundo virtual nós deixamos rastros de nossa personalidade vagando a esmo por aí. E, por incrível que pareça, tudo isso já era falado, bem ou mal, em Tron de 1982.

No dia 17 de dezembro pude presenciar a estréia da continuação da saga de Tron nos cinemas. Não é remake nem reboot, modas do cinema nos últimos anos como recurso para contar histórias pelos roteiristas que não são mais brilhantes ou inteligentes como no passado, é continuação. Como não pretendo dar muitos spoilers, o filme novo recupera a identidade visual do filme anterior com muito néon, motocicletas futuristas e o maldito jogo do frisbee safado, mas introduz ou atualiza a percepção de ciberespaço apresentada lá atrás em Matrix (1999). Se na primeira versão a Grade era em certa medida geométrica, no novo Tron ela já apresenta montanhas, chuva, nuvens, etc, buscando, como diz o diretor Joseph Kosinski, acompanhar os avanços da computação gráfica dos últimos anos.

A trilha sonora fica por conta da dupla francesa Daft Punk, cuja mescla de música orquestrada com música eletrônica dá um tom muitíssimo interessante à obra, porém com um tema bastante intimista e talvez pobre para um ouvinte mais atento (apesar disso ser a moda dos últimos anos com as trilhas modais presentes desde os filmes de Batman até o último Harry Potter). O uso dos tons eletrônicos, teclados e sons de fliperama de forma incidental acionam uma nostalgia latente dos nerds da década de 80 cuja sensação final é indescritível, além da presença da dupla no filme com os seus capacetes futurísticos que por si só deixam a coisa toda muito divertida.

Me pergunto sobre os reais avanços dos efeitos visuais propiciados pelo filme pós-Avatar (2009) de James Cameron, sendo o vilão C.L.U. a réplica jovem de Jeff Bridges que de tão exposta no filme chega a decepcionar em alguns momentos (o legal do trailer é isso, joga pedaços… quando vi os trailers pela primeira vez eu confesso que não acreditava… já no cinema fica bastante difícil não prestar atenção em especial no movimento dos olhos digitais de C.L.U. o que, se for pensado no contexto de “personagem digital no ciberespaço”, passa… passa…). E o enredo, bem, o enredo continua fraco como o primeiro, sendo, no entanto, uma diversão leve e sem compromisso.

Apesar das palavras duras e da crítica ranzinza ao novo filme, Tron impressiona por vários motivos. Para os nerds como eu a experiência de ver Tron no cinema se assemelha àquela de poder rever os grandes clássicos como Star Trek, Star Wars e Indiana Jones na telona, não pelo filme em si (cuja comparação é bastante frágil), mas pela experiência de poder revisitar personagens da infância e adolescência numa telona branca enorme. A nostalgia invocada pelo filme começou meses antes com a publicidade impressionante da Disney. Desde O Senhor dos Anéis que não sentia uma ânsia para estar dentro da sala e para presenciar esse momento histórico do cinema: todo mundo queria saber das novas motos Lightcycles, do novo visual e tudo mais. E aí confesso que Tron não chegou a me decepcionar. Saí do cinema e comprei a trilha sonora do Daft Punk na mesma hora, com uma vontade latente para assistir ao filme mais uma vez. >End of Line


Leia também: Tron – O Legado: Bom de ver, melhor ainda de escutar [Cabaré de Idéias]

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