Vamos recapitular. A galera estava reunida na mesa da cozinha aprontando-se para mais uma partida de Dungeons & Dragons quando conhecemos um ser de outro planeta que veio para a Terra por acidente. Com seu dedo luminoso a criatura medonha esperava trazer um pouco de esperança e amor para nós, os pobres terráqueos. Munido de seus poderes advindos de sua pureza de espírito ele fez bicicletas voarem pelos céus, todavia, foi caçado por uma humanidade sedenta de conhecimento e apavorada com o desconhecido. Quando pequeno chorei com esse filme. Ok, ok, já entendi, está meio confuso, mas não preciso ficar aqui escrevendo linhas e mais linhas sobre E.T. O Extraterrestre (1982) de Steven Spielberg.
Vamos pular um pouco no mundo do cinema. Agora temos um filme em que grandes discos voadores capazes de cobrir a Lua chegam à Terra. Após consumirem todos os recursos de seu mundo natal, encontram no planeta azul uma imensa fonte de matéria-prima pronta para ser explorada. Gafanhotos. Alienígenas cabeçudos com grandes olhos negros (moda na década de 90), porém gafanhotos e com a política do “chegar-esmerilhando-só-por-esmerilhar”. Por fim, sobrevoam a Casa Branca estadunidense e com um raio de luz absurdamente potente destrói um dos maiores símbolos do poderio humano neste planeta ridículo. Independence Day (1996), hit infeliz de Roland Emmerich que trazia a união de todos os povos humanos (liderados pelos Estados Unidos, lógico, e com um presidente-Bill-Pullman-fanfarrão) contra uma ameaça alienígena. Típico, diria C3P0…
Tá bom, só para aumentar a polêmica aqui. Os alienígenas já estão aqui na Terra. Isso, há milhares de anos e hibernando sob a forma de um líquido negro viscoso e inteligente. Na década de 40, após a fatídica queda do Objeto Voador Não-Identificado em Roswell (EUA), os alienígenas teriam feito um pacto ou contrato com as potências mundiais para a colonização do planeta em 50 anos. Grandões, também de cabeças enormes e olhos pretos, viam na Terra uma fonte de recursos materiais e/ou talvez um posto avançado estratégico para a diplomacia interestelar. Que seja. Fatalista do começo ao fim, X-Files – Fight The Future (1998) nos mostrava como todo o “esquema” estava mais do que planejado e já implementado. A verdade está lá fora uma ova, estaria mesmo embaixo dos nossos narizes.
Outro filme agora, mais ETs. Fim da Terceira Guerra Mundial. A humanidade só não chegou à aniquilação total por pura sorte num lance de dados divino (se bem que, creio eu, nessa altura do campeonato, se Deus ou os deuses existem, eles já se cansaram e abandonaram esta humanidade torpe há muito tempo, provavelmente no primeiro dia em que o homem aprendeu a falar “mamãe”). Com o planeta devastado e poucos agrupamentos humanos sobrevivendo como animais em busca de comida, Zephram Cochrane decide inventar uma nova tecnologia aeroespacial para encher a cueca de dinheiro e descobre a Velocidade de Dobra. Impressionados com o nosso feito, chegam os pacíficos alienígenas vulcanos em busca de prosperidade com seus novos amiguinhos terrenos. Em Star Trek First Contact (1996) seria dado o pontapé para o futuro pacífico, clean, light e bonito de Gene Roddenberry. Fascinante, diria Spock.
Pois bem, cansei. Sou nerd, adoro filmes envolvendo a temática extraterrestre e de fato poderia ficar aqui por eras redigindo parágrafos bastante enfadonhos sobre todos já lançados. Nesta relação tivemos alienígenas motherf#ckers que chegam neste planeta com o único propósito de nos destruir (já informo os leitores que apóio veementemente esta idéia; aliás, só estou esperando pela chegada dos homenzinhos verdes) e os alienígenas bonzinhos que nos dão tecnologia, paz, prosperidade, amor e esperança. Ah, que bonito. Todavia, de uma forma ou de outra, falar sobre alienígenas acaba provocando (cutucando) todo mundo, não por questionar a crença na existência de vida fora da Terra, mas por questionar a nossa própria mediocridade em não reconhecer outras possibilidades que vão além do nosso próprio umbigo. Você ainda acha que quando falam de discos voadores é a sua crença ou não em vida em outros planetas que está em jogo? Se liga, és um grande imbecil… e egocêntrico ainda.
Então, como gosto de provocar (cutucar), falemos de alienígenas, falemos de District 9 (2009)! Eles já chegaram, já faz alguns anos. Vindos em uma imensa nave discóide, eles sobrevoaram Johanesburgo na África do Sul e lá pediram ajuda. Não estou mentindo, refugiados, os alienígenas pediram ajuda a nós terráqueos, em pleno palco do Apartheid. Com forma humanóide e chamados pejorativamente de “Camarões” (pejorativamente porque nenhum humano se incomodou em perguntar a qualquer um deles como se chamam), estes alienígenas se instalaram nos arredores da capital sul-africana, gerando assim inúmeros problemas sociais não previstos.
Num país com pobreza e discriminação mais do que conhecidas, quase 2 milhões de “camarões” competiriam cotidianamente com uma população sofrida em busca de comida, respeito e um mínimo de dignidade. Os assaltos e surtos de violência aumentam em todos os cantos da cidade, novas lideranças armadas surgem para combater as novas ameaças, um gueto chamado Distrito 9 é criado unicamente para alocar estes alienígenas pobres… Não é possível, faço a minha pergunta: como seres tão inteligentes a ponto de desenvolverem a viagem espacial conseguem escolher um planeta tão adequado para turismo ou asilo político?
Para lidar com os alienígenas revoltosos e garantir assistência social à nova população vinda do espaço sideral é criada a Multi-National United, uma espécie de ONU com um grande exército de paz especializada no controle e estudo destas criaturas tão estranhas. Como forma de resolver o impasse dos inúmeros problemas sociais criados pela visitinha surpresa dos “Camarões” (“Prawns”), a MNU coloca nas mãos do agente Wikus van der Merwe (Sharlto Copley) a difícil missão de reassentar 1,8 milhão de alienígenas para até 240Km de Johanesburgo.
Celebrado e ovacionado como herói local, Merwe descobre como esta população alienígena jogada num gueto leva uma vida miserável e na política dos lobos, até ser atingido por uma estranha substância alienígena chamada no filme como “Fluido Negro”. Infectado pelo óleo extraterrestre, Merwe sofre uma longa transformação que une o seu DNA humano com o DNA prawn, tornando-se assim a maior novidade científica e a maior arma biológica já conhecida da Terra. Levado para um imenso laboratório de pesquisas nazistas à La Menguele com os alienígenas capturados, Merwe perde sua família e sua vida normal quando percebe o quanto o seu papel de “herói” da capital sul-africana é na verdade uma chaga da ganância e ambição humana.
Depois da trilogia O Senhor dos Anéis (2001, 2002, 2003) Peter Jackson nunca acertou tão em cheio. Ao lado de Philippa Boyens na produção, Jackson traz para o mundo do cinema uma forma incrivelmente inédita de contar histórias sobre alienígenas, agora trazendo a visão do outro lado. “Um outro lado” deveras sombrio de uma sociedade humana sem escrúpulos, assombrada por fantasmas de um passado não muito distante. Dirigido por Neill Blomkamp, diferente da saga Jornada nas Estrelas, District 9 nos mostra de forma sublime como a humanidade estaria mais do que despreparada para lidar com o primeiro contato com vida extra-terrestre. Ok. Mas o mais importante de tudo, o filme mostra como a humanidade está mais do que despreparada para lidar com… a própria humanidade!
Num mundo marcado pela constante destruição dos recursos naturais, discriminação desenfreada, genocídios e outras formas de extermínio com base em justificativas no mínimo duvidosas, District 9 nos dá um tapa na cara ao trazer novamente as mesmas inquietações sócio-políticas que fazemos com o fim de grandes guerras, do totalitarismo, do preconceito, etc. É aquela moral da história bastante divertida e motivo de vergonha alheia: de quê adianta condenarmos por exemplo o nazismo se somos capazes de fazer exatamente as mesmas coisas com os outros, porém com outros nomes e outras premissas tão igualmente frágeis? Os “Camarões” que o digam.
Finalizarei este artigo da pior maneira possível. Acabei de assistir District 9 e já o coloco na minha lista dos melhores filmes de ficção científica que já vi nesta minha breve vida. Sendo também trekker, lanço a pergunta e o desafio a todos os leitores: o quê nós, humanos, aprendemos até agora? O quê descobrimos no meio do caminho que nos coloca como “a espécie mais inteligente” deste planeta que tanto detonamos diariamente, o quê encontramos de tão importante em nós mesmos que nos faz acreditar sermos os únicos (puros, belos e éticos) de toda a galáxia conhecida? Aos que ainda não pararam um único segundo para pensar nisso na vida, recomendo fortemente que vejam District 9 para que sintam vergonha do nosso legado humano assim como eu. Quem sabe só assim a gente pensa diferente daqui pra frente.
Victor Hugo, envergonhado
Eu falei, não falei?
Eu nunca recomendo filmes ruins.
Sabe, eu tava curioso pelo filme… agora preciso assistir de qualquer forma…..
hohohohoho
Vi o filme e concordo com a opinião de nosso caro amigo Victor!!! Muito bacana o filme, que fica melhor ainda com o texto do ao sugo!
Abraços!!!
Certamente, um dos melhores ilmes do ano, me arrisco a dizer que é um dos melhores filmes de alienígenas que já assisti.
Abrçs e Bons Jogos!
Muuuito bom esse filme!! Ets rule. Além do que já foi descrito, gostei do papel da mídia e de seus administradores… à la V de Vingança e companhia ltda. E o final do texto lembrou a comparação do Agente Smith: “Every mammal on this planet instinctively develops a natural equilibrium with the surrounding environment, but you humans do not. You move to an area, and you multiply, and multiply, until every natural resource is consumed. The only way you can survive is to spread to another area. There is another organism on this planet that follows the same pattern. A virus.”
Chiquérrimo! rs
Por isso o final do remake de O dia em q a Terra parou é tão inverossímil… q alien ia confiar em humanos pra tomar conta de alguma coisa?
O que aprendemos?
uahahaha
aprendemos a mandar gifs animados pelo orkut e chamá-los de HTML.
Falando sério…
Aprendemos que com um mundo de esforço na área de educação outro mundo é possível. E esquecemos.
Sou fã da atuação da UNESCO até a década de 80. Hoje em dia, pobrezinha. Não tem mais importância nenhuma na Terra.
O tempo todo discutimos oque é preciso melhorar na educação para fazer da humanidade algu que preste, mas aí lembramos que são humanos que dão aulas. E nada vai para diante.
Existe um 0,5% de pessoas com capacidade de lutar contra os moinhos de vento por verem que eles são na verdade gigantes. Esses que nunca terão poder de fazer nada.
Deve ser por isso que eles se tronam meio cínics, cítricos e fatalistas.
Muito bacana a resenha do filme, Victor!!! Eu até fico pensando em livros e filmes que focam os androides…o final de Blade Runner (filme) com o personagem do Rutger Hauer ESCOLHENDO salvar Deckard (Harrisson Ford) e dizendo a quantidade de coisas que se perderiam com seu fim (morte!) me faz pensar o quanto a ficção cientifica é bacana para fazer refletir…