No Country For Old Men – Parte 2

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A Era de Ouro do RPG e a síndrome do Power Gamer

Pois então, dando continuidade à nossa conversinha de dias atrás, quando começávamos a falar sobre o D&D 3.0… Então, a nova edição do roleplaying game mais antigo do mundo, agora lançado pela Wizards of the Coast, veio no ano 2000, que dava início a uma nova era no RPG, já de bico no século XXI. Antes disso, falemos um pouco do que acontecia antes.

Nos anos anteriores, a segunda edição do AD&D, Advanced Dungeons & Dragons, já era muito mais jogada que seu predecessor, o Dungeons & Dragons original, antigo e consideravelmente mais limitado. Em parte, a popularidade do AD&D2nd deve-se a, realmente, uma melhoria do sistema de regras. Entretanto, algo que sempre escapa dos olhos das pessoas é que o AD&D teve, ao longo de sua vida útil, uma campanha publicitária consideravelmente mais abrangente. Só para deixar claro, aqui estamos falando do AD&D 2nd Edition, lançado em 1989 (no Brasil em 1994, pela Abril e depois pela Devir). Antes dele, em 1977, já havia sido lançado o primeiro AD&D, que se dividia do D&D, lançado em 1974, por ter regras mais complexas e ser um jogo mais detalhado.

Enfim, enquanto edições anteriores do D&D e outros RPGs como GURPS e o próprio Storyteller faziam campanhas destinadas diretamente ao público alvo, ou seja, os que já eram jogadores, a TSR (sigla para Tactical Studies Rules) buscou, para o AD&D 2nd, algo um pouco além de revistas sobre RPG ou publicações do gênero, como a Dragon. Para angariar mais jogadores, a TSR deslocou e terceirizou seu marketing. Com um público alvo definido, mas que não se resumia apenas aos já rpgistas, começou a divulgar seus jogos em locais que muitas vezes tinham ambiente comum aos já jogadores, como HQs. E nerd que é nerd sempre tenta conhecer alguma coisa que tem tudo para ser nerd também.

A campanha, bem-sucedida, teve um resultado muito positivo, que resultou naquela que muitos consideram a Era de Ouro do RPG, os 10 anos que vão desde o lançamento do AD&D 2nd em 1989 até o fechamento oficial da TSR, em 1999. Uma quantidade muito grande de novos jogadores veio para o AD&D e garantiu, durante a década de 1990, a formação de uma quantidade considerável de novos grupos. A maior contribuição desse período foi a divulgação do jogo, que até o final dos anos 1980 ainda era algo um tanto obscuro, ao menos aqui no Brasil. Lentamente, o RPG passou a ter uma propaganda mais eficiente que o boca-a-boca dos fanáticos, ganhando popularidade e trazendo pessoas novas que eram jogadores em essência, e que só ainda não jogavam porque não conheciam mesmo.

Então, para os fãs, o fim da TSR em 1999 foi, no mínimo, um murro no nariz. A empresa de tradição em RPGs e Wargames estava fechando as portas depois de décadas. Fundada pelos criadores do jogo, Gary Gygax (que faleceu em março de 2008) e Dave Arneson (que se foi no comecinho de abril de 2009), a  TSR encerrava seus trabalhos definitivamente. Muitos pensavam que seria o fim do RPG. Todos sabiam que era o fim de uma era. Ao menos parcialmente, estávamos certos. Era, de fato, o fim de uma era. Um fim que na verdade se protagonizava já há dois anos.

A TSR oficialmente parou de existir em 1999, todavia, na realidade, a Wizards of the Coast, empresa que comprou o empreendimento de Gygax e Arneson, já havia fechado o negócio em 1997. Por dois anos, razões comerciais e publicidade mantiveram o nome TSR ativo, até vir, em 1999, o chute nos bagos. A Wizards of the Coast, ou WotC, era famosa em meados da década de noventa em razão de um popular jogo de cartas, o Magic: The Gathering. A propósito, Magic NÃO É RPG. Se existe algo que me dá asco é quando o cara fala: “Sim, eu jogo RPG sabe, jogo aquele Magic…”. Com tudo resolvido e TSR já extinta, a WotC iniciou um novo e ambicioso empreendimento: remodelar um dos jogos mais queridos entre os rpgistas dos últimos dez anos. Foi aí que, em 2000, chegava aos mercados o famigerado D&D 3.0, cheio de promessas e melhorias mecânicas.

A apresentação gráfica era impecável. O livro era, sendo simples e limpo, lindo. Todo colorido, com ilustrações elegantes, papel de qualidade, bem diagramado. Tudo isso elevou razoavelmente o seu preço, mas, sinceramente, isso nem parecia importar tanto. E, sejamos justos, as promessas de melhorias na mecânica do jogo, assim como tentar superar as suas limitações sem perder a identidade de cada classe foram, de fato, cumpridas. Embora diferente, estava tudo lá, em verdade melhorado, como era a intenção. E se existia algo que RPG havia se tornado, era atrativo. Dava vontade de comprar tudo só de olhar.

Aos antigos jogadores, os da Era de Ouro, principalmente (dos quais orgulhosamente faço parte), os livros eram um deleite. Mesmo que existisse a resistência em abandonar os sistemas mais velhos, havia aquela curiosidade do “vamos tentar e ver qual é”. O pessoal da “velha guarda” do RPG sabia manusear todas aquelas inovações com presteza. Eram anos e anos de refinamento na arte de jogar, criar personagens e narrativas. Se o cara criava um bom guerreiro no AD&D, imagine no D&D 3.0, que era muito mais amplo e “customizável”.

A Wizards of the Coast com certeza é uma empresa competente. Tão competente que soube exatamente como trazer novos jogadores às fileiras de seu novo filhote, o D&D. Entretanto, ao contrário da TSR que buscava novos jogadores num público alvo definido de “jogadores que só não jogavam porque não conheciam mesmo”, a WotC, para o bem ou para o mal, dava tiro para tudo que é lado. Por causa disso, os novos jogadores vieram de ramificações diversas: jogadores de Storyteller, gamers e até gente que não merece sentar numa mesa que tenha um dado de vinte faces. Até cultzinho xarope veio para a mesa encher o saco de quem estava muito bem, obrigado.

Até aí, tudo bem. Quem gostava do jogo, ficava, quem não, saía fora. Entretanto, com a grande customização, a coisa estava com perigo de desandar, principalmente nas mãos do pessoal que não estava habituado às limitações do AD&D, por exemplo, e não tinha muito bem definidas as noções de interdependência e cooperatividade.  As fezes atingiram o dissipador de calor quando em 2003 saiu a edição revisada do D&D 3.0, que era o D&D 3.5.

O novo jogo trazia erratas, correções, expansão nas regras principais e uma porrada de suplementos diferentes, muitos, muitos, muitos mais do que a edição anterior. E eles exageraram ao absurdo um conceito interessante da edição 3.0 ao último nível: as classes de prestígio. São tantas, mas tantas que eu duvido que alguém conheça todas. Apesar do conceito interessante, um tipo de classe heróica que você tem acesso em níveis mais altos e lhe dá características únicas, a falta de cuidado na criação delas gerou desde absurdos a coisas risíveis de tão patéticas. Para chutar o cachorro morto, empurrar o bêbado, a WotC ainda fez o desfavor de lançar o infeliz e maldito Livro dos Níveis Épicos, que trazia regras expandidas e novos poderes para personagens acima do vigésimo nível.

A conseqüência era visível aos mais antigos: o sistema e os novos jogadores transformariam a mesa numa disputa informal entre os jogadores. Cada um deles, no complexo do power gamer, tentaria se tornar mais poderoso que o outro buscando brechas nas regras e as combinações mais absurdas dentre os inúmeros complementos, com o objetivo final de “ser o mais forte”. Isso sem falar nos pseudo-jogadores que só iam para a sessão de jogo para ocupar lugar na mesa, e os outros ainda sem vontade nenhuma de interpretar um personagem, mesmo que seja um arquétipo óbvio e simples. Lentamente, o aspecto de grupo estava sendo desmantelado entre jogadores individualistas, inexperientes, insossos ou tão freaks que tentavam combinar raças e classes opostas ou totalmente inverossímeis. A cooperatividade levou um pé na bunda violento da busca pelo poder.

Continua… [Leia agora]


Marcus Vinicius Pilleggi

Não deixe de continuar a leitura em No Country For Old Men – Parte 1 e No Country For Old Men – Parte Final

Como vocês já devem ter notado, somos bastante simpáticos ao mundo da fantasia, tendo dedicado inúmeros outros textos sobre este gênero. Para acessá-los, visite a nossa seção sobre Fantasia agora mesmo!

O Ao Sugo é um blog filiado ao RPG.Blogs.

2 comentários sobre “No Country For Old Men – Parte 2

  1. Acabei de ler as duas partes do artigo, e concordo em muito com seus pensamentos, basta olhar um pouco as comunidades do orkut de D&D.

    O livro dos níveis épicos é tão absurdo, que beira o ridículo!

    Aguardo a continuação do artigo!
    Obrigado por linkar o Adrenalina RPG! Vou retribuir o favor e linkar o seu blog também nos parceiros.

    É muito bom saber que os Roleplayers ainda existem!

    Abrçs e Bons Jogos!

  2. Waiting….. CADE a parte III ?? rs

    Estão de parabéns pela larga experiencia que vcs possuem nesse assunto…

    a propósita.. FAZ UM TESTE DE REFLEXO!!!! hahaahha

    []s

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