As indústrias de desenvolvimento tecnológico têm crescido. A cada dia, são criados robôs numa incessante busca à semelhança com os seres humanos. As pesquisas trazem, cada vez mais para perto, os delírios da imaginação da Ficção Científica, e torna mais evidente as possibilidades de criaturas que antes só poderiam povoar os nossos sonhos, as páginas de um livro ou então a película de um filme de ficção.
As criações do mundo em três dimensões pegam carona no avanço tecnológico, e a cada nova animação, jogo eletrônico ou efeito especial cinematográfico, a qualidade no detalhamento e texturização aumenta exponencialmente. Chega a ser, muitas vezes literalmente, assustador. Medonho. Na melhor das situações, esquisito. Sim, é isso mesmo.
Para não causar curto-circuito, convém falar sobre o Vale da Estranheza. O conceito foi cunhado pelo engenheiro em robótica japonês Masahiro Mori, em 1970, e consiste na hipótese de que, quando robôs ou outras criaturas, criadas artificialmente, atingem um grau de muita semelhança à aparência e ações humanas, causam automaticamente uma grande repulsa. A hipótese de Masahiro diz que, quanto mais humanizados tornam-se os robôs, melhor eles são recebidos pelos humanos, entretanto, em determinado ponto, esta empatia transforma-se em recusa.

Esta teoria abrange as criações de animações em três dimensões, tão comuns ultimamente, e os jogos eletrônicos, conseqüentemente. Estúdios de animação como a Pixar ou a Dreamworks, expoentes nos mercados de animação, já se deram conta disso: evitam personagens humanos e, quando utilizam, buscam um viés cartunesco, para não causar choque na empatia do público. A Square Soft, antiga Square Enix, renomada por seus jogos da série Final Fantasy, também já percebeu isto, principalmente por meio do lançamento de duas animações: Final Fantasy: Spirits Within, de 2001, e Final Fantasy VII: Advent Children, de 2004.
O fracasso do longa de 2001 deve-se a dois principais fatores: os personagens e a trama nada tinham a ver com nenhum dos games dos quais surrupiou o nome principal, que fazem tanto sucesso e transformaram a Square numa das maiores indústrias do ramo. Em segundo lugar, as pessoas que se envolveram na manufatura de Spirits Within buscaram um grau de detalhismo humano exagerado. Incomodou. Ao invés de impressionar, o público se preocupou em encontrar os problemas nos bonecos digitais. Esqueceram as semelhanças e se concentraram nas falhas, quaisquer que fossem. O mesmo aconteceu com A Lenda de Beowulf, lançado pela Warner Bros. em 2007: a equipe envolvida, inclusive atores, roteiristas e diretor, é boa, assim como o enredo, mas o filme não vingou.
Já o lançamento de 2004, Advent Children, foi proporcional e consideravelmente melhor recebido. Desta vez, a Square preocupou-se com os fãs, e ao invés de produzir um longa com um enredo mirabolante e desconexo, preferiu dar seqüência aos acontecimentos de um dos jogos mais bem sucedidos da franquia, primeiro deles lançado totalmente em 3D, o Final Fantasy VII. A textura dos cenários e personagens, assim como o nível de detalhes, melhorou, mas a Square foi esperta: manteve distintos evidentemente inumanos nos personagens; eles carregam espadas gigantescas, possuem elaborados penteados, lutam sobre motocicletas em movimento, saltam alturas absurdas, possuem poderes e até voam. Aliados, os fatores contribuíram para a aceitação do filme.

O tal “vale” é justamente a percepção indefinível, que causa a repugnância na reação humana quando um robô ou personagem de animação, no caso, fica muito parecido conosco. Ao ponto de incomodar. Argumenta-se que, quando esse robô ou personagem possui óbvias características não-humanas, passamos a nos concentrar nos distintivos humanos que ela tem, criando empatia. Se esta criatura não se distingüe facilmente de um humano, todavia, centramo-nos em suas evidências não-humanas. Outros falam na falta do “brilho dos olhos” ou ainda da própria alma. Seja como for, o resultado é o mesmo: a tal repulsa. É como ver um homem de peruca; você pode nem saber exatamente o quê, mas tem alguma coisa esquisita ali. Não natural.
Apesar de ter surgido no universo do avanço tecnológico em robótica, a teoria do Vale da Estranheza parece angariar preocupação no mundo do entretenimento, enquanto o mundo científico a esquece e deslumbra-se com qualquer superação que diga respeito à aproximação de homens e máquinas. Nâo que estejam errados, mas nunca é tarde para perceber, de repente, que o rei está nu.
Marcus Vinicius Pilleggi, o Rei