Adultos, dedos quebrados e janelas

Bem, primeiramente eu gostaria de também oficializar um pedido de desculpas. Nós temos temperado o Ao Sugo com muito menos regularidade e, diria, fervor, do que estávamos fazendo. Como o Victor já disse por aí, andamos, realmente, consideravelmente atarefados. O Victor com seus textos exigidos pela vida acadêmica e eu com os textos exigidos pela vida fora da academia, no tal mortífero mercado de trabalho. Dentre palavras e quilômetros rodados no que envolve a construção de nossas ainda impúberes carreiras, o tempo que nos têm restado vem sido demasiado reduzido para que façamos algo que não seja contraproducente. É claro, alguém um pouco mais apressado diria “Mas e os finais de semana?”. Bem, em verdade, quando você é graduado em ofícios que dependem em demasia do uso das palavras (um cientista social e um jornalista), às vezes qualquer folga de sua utilização pode ajudar naquele bom, delicioso e ansiado descanso, no sentido mais nobre e simples que “descanso” pode possuir. E as palavras, bem, talvez de quando em vez queiramos apenas absorvê-las, e nem sempre criá-las.

 

Adultos, dedos quebrados e janelas

Ouvi dia desses, na Rádio Band, se bem me lembro, que hoje em dia existe um fenômeno, desses psicológico-sociais ou qualquer coisa do gênero, que se refere a uma suposta “infantilização” daquelas pessoas que, em tese, deveriam ter ingressado ou ao menos estar em vias de ingressar na “vida adulta”. Este tal fenômeno é representado por ações simples como, por exemplo, a volta de muitas pessoas à casa dos pais depois de se graduarem, ou a permanência das pessoas na casa dos pais enquanto ainda especializam-se, fazem mestrados, doutorados ou qualquer coisa que o valha. Este tipo de atitude, portanto, seria um dos motivos que podem ser considerados, a grosso modo, como uma espécie de “recusa à adultidade”, retardando o ingresso da pessoa na famigerada “vida adulta”.

Pensemos na complexidade destas teorias. Primeiro de tudo, eu acredito que o supramencionado retorno às moradas dos genitores ser considerado uma “recusa à adultidade” seja um tanto exagerado. Pode ser um tipo de segurança ou conforto que não precisa e nem deve ser simplesmente desconsiderado, ou do contrário você pode se tornar um desencontrado que vive pingando de um lado para outro como eu, ainda sem segurança de trabalho fixo e moradia convencional. Como tanta gente adora dizer, “hoje em dia o mundo é outro”. Nós não podemos querer comparar as situações pelas quais jovens profissionais ou estudantes passam atualmente com as que passavam há 40, 30, 20 ou mesmo 10 anos atrás. Muito mais gente habita este mundinho infeliz, e quem tiver a chance de botar uma corda no seu pescoço e chutar o banquinho provavelmente o fará. As dificuldades são outras, nem maiores e nem menores… apenas diferentes. Ter “segurança” hoje significa um pouco mais que ter sua carteira de trabalho assinada, sua(seu) esposa(o)/namorada(o)/noiva(o) a tiracolo e um apartamentinho ou casinha dado por algum sogro ou pai aposentado. Tem pessoas que gostam de comparar a tentativa de se evitar problemas desnecessários com síndromes de Peter Pan.

Agora, sejamos justos e pensemos no outro lado da coisa toda. Se querem dizer que existe esse tal fenômeno de “infantilização” do “novo adulto”, seria no mínimo prudente considerar que existe também a “adultização” da criança. Quase não existe mais qualquer coisa que seja instrumento de manutenção da infância. Quer dizer, brinquedos para crianças um pouco mais velhas (digamos de 8 a 12 anos) mal são desenvolvidos e vendidos, porque “não tem mais mercado”. O moleque cresce o suficiente pra largar o caminhãozinho de plástico para sentar em frente à tela do computador e explodir tudo em posse dum caminhão virtual equipado com metralhadoras e mísseis. Eu não vou entrar no mérito de programação de televisão ou filmes e nem na incessante vontade de tantos em transformarem os filhos em irritantes pequenos prodígios. Seria praguejar a uma platéia vazia.

Ainda é sempre bom nos referirmos à boa e velha nostalgia. Este sentimento é particularmente comum às pessoas que cresceram e tiveram boa parte de sua infância nos já tão distantes anos 80. O sentimento, claro, pode existir e existe nas mais variadas gerações, entretanto os membros da “geração da década de 80” parece manifestar a nostalgia de uma maneira muito mais fervorosa e apaixonada que muitos outros. Não sei bem dizer o porquê disso. Talvez por ter sido uma década, ao menos no Brasil, realmente muito… “infantil”, no sentido de tudo que era feito ou produzido, de programas de televisão a filmes, de brinquedos a jogos eletrônicos, que ainda engatinhavam em pixels enormes na tela.

Todavia, por ter eu mesmo crescido nesta época, posso estar romantizando um pouco demais tudo que aquilo significou. Nenhum de nós vai saber explicar muito bem porque gosta tanto de relembrar aqueles tempos, mas a maioria sentirá que, possivelmente, parte destes motivos seja simplesmente o fato de ter sido uma época boa demais para ser uma criança. E convém tentar entender o que existe de tão condenável assim em tentar, mesmo que depois de velhos, resgatar algo, nem que seja só um pouco, de todas aquelas memórias que foram e ainda são tão importantes. Para muitos é um exercício de sanidade, de foco, porque faz lembrar de uma época melhor de nossas vidas, longe de responsabilidades, angústias ou dificuldades. E às vezes retornar à casa dos pais não é simplesmente uma “recusa à vida adulta”, um “medo da responsabilidade” ou uma “fuga da realidade”, mas sim um amor grande demais por um tempo para simplesmente abandoná-lo como um velho bonequinho, com os dedos quebrados e a tinta gasta.

O que vejo é que alguns são tantas vezes acusados por simplesmente, eventualmente, fazerem aquilo que querem fazer em detrimento daquilo que têm de fazer. Um esforço grande o suficiente para cansar como qualquer suposto dignatório trabalho, até pela possibilidade de se tornar alvo de críticas infundadas ou teorias mirabolantes. É claro que não podemos nos deixar acomodar, mas ao mesmo tempo é preciso se perguntar se precisamos realmente parar de discutir os motivos de nunca se passar o capítulo final de Black Kamen Rider, porque os dedos dos Comandos em Ação sempre quebravam ou qual era o seu Changeman favorito.

Ao final das contas, as coisas são simples, porque ninguém muda; as pessoas melhoram ou pioram. Por causa disso, relegar tudo aquilo que fomos ou fizemos no passado é tão tolo quanto não se importar com o que seremos ou faremos no futuro. E, de quando em vez, quando você está numa cidade que não conhece tão bem, num apartamento que não é seu e olhando por uma janela que não significa nada além do tempo frio e nublado lá fora, aquelas velhas memórias de tudo que um dia foi podem ser as únicas coisas que lhe dão força e vontade para levantar no dia seguinte e tentar construir o que ainda será.

 

Marcus Vinicius Pilleggi

4 comentários sobre “Adultos, dedos quebrados e janelas

  1. Hmn… deixe-me ver…você defende a atitude dos adultos de manterem a infância acesa e ‘ataca’ a atitude das crianças por apagá-la concordo e assino em baixo.
    Quanto ao trecho ‘relegar tudo aquilo que fomos ou fizemos no passado é tão tolo quanto não se importar com o que seremos ou faremos no futuro’ sou obrigado a dizer que, num certo sentido acabo agindo assim,não num radicalismo de apagar o passado ou se lichar para qualquer espécie de planejamento.Mas creio que há um certo fanatismo pela emoção chamada saudade,todos gostam de lembrar do passado e sentir ao máximo a nostalgia como se dela viessem realmente grandes energias corporais e mentais ue nos descansassem,ou então planejar o futuro, sempre bom e promissor.
    O que vou falar é um papo realmente batido e abatido, lá vai:
    Minhas gentes (no plural mesmo)vamos deixar futuro e passado e ficar mais alguns segundos diários no presente.Parece assunto de livro de autoajuda, e é mesmo.Agora é a hora,você que está lendo isto aqui, agora, este é o auge de toda experiência da sua vida.Não parece? Então você tem um problema, agora sempre deve ser o momento máximo, e vejam bem, eu não disse bom ou agradável em nehuma parte.’Ah mas é que quando eu era*’Era já foi meu camarada,seja, perceba,esteja consciente.
    Apesar de ser um pouco idiota falar isso, talvez para paredes, ou para algum leitor solitário sem poder ouvir resposta (sinto-me um covarde)é isso o que penso e é assim que ajo.Faço parte da infância geração 80,e consigo brincar de pique até hoje,tanto que as crianças me consideram como um igual e me chamam sempre para suas bagunças.O espaço é curto e tenho muito a falar(ou a expressar),não quero poluir seu valioso espaço,mas encerro alertando que talvez MArcus tenha esquecido que estes ataques se direcionam aos seres humanos que parasitam os pais sentados num pc causando muito ‘damage’ consumindo e alimentando o mercado pornográfico (dos piores calões existentes) e a indústria farmacêutica (segundo amior mercado depois do de armas de fogo).Quem sabe o cara que fez a reportagem não estava de saco cheio de ter um filho assim?

  2. Ouch! *gramaticais,a pressa,eu bem que disse… agora deixa eu calar a boca para não piorar mais ainda.

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