Aperte o Play, por favor

Lembranças sonoras. Pro meu pai.

São 3:56 da madrugada quando iniciei este artigo, um texto que marca o retorno às atividades do Ao Sugo que por tanto tempo ficaram no Pause. Ah sim, humildemente nos desculpamos. Para quem? Bom, temos alguns leitores por aí pela internet que volta e meia, quando chega 3:56 da madrugada e querem ler alguma besteira ou papo-furado, digitam o nome do site no Google e por aí vai. Portanto, mil desculpas queridos leitores, espero que estas bolhas de ausência de textos novos não reapareçam tão cedo.

Explico. E aqui não tem problema, falo também pelo Marquinhos. Andamos absurdamente atarefados. Eu particularmente andei cheio de textos pra escrever, vocês sabem, as infinitas atividades acadêmicas… Mas ensaiei, enrolei e para cá voltei, mais para pedir desculpas, mais para mostrar que não, o Ao Sugo não estragou e não foi parar no lixinho, não! Nada disso…

E o que venho contar desta vez? Então, sinceramente gostaria de iniciar um conto, um daqueles contos intrincados que eu realmente não sei fazer, então contarei qualquer outra coisa de relevância duvidosa, mas alguém vai acabar lendo, isso é o que importa. Então, hum, vamos falar de música. Vocês já se perguntaram como, por conta das tecnologias de reprodução de áudio, nós podemos reproduzir e repetir músicas infinitamente ao ponto de “voltarmos” no tempo?

Agora, 4:01 da madrugada. Está tocando pela terceira vez a música “Wrapped In a Dream” aqui no Windows Media Player. O quê? Ah sim, é um jazz novo do grupo Spyro Gyra, mais especificamente do álbum “Wrapped In A Dream” de 2006 último (é, último, espero que ele não vá se repetir tão cedo, nós ocidentais somos absurdamente sem graça quanto à percepção da passagem do tempo…). Mas talvez sendo reproduzida pela terceira vez seguida possa ser uma estratégia minha, não muita esperta, ok, de segurar um pouco o tempo por aqui. Aham, por alguns minutos preciosos de uma madrugada marcada pela insônia eu tenho o controle total do tempo.

Que engraçado… Eu ouvia esse grupo quando era bebê. Não, sério, sério mesmo. Meu pai colocava para mim quando eu ainda estava no berço, Spyro Gyra e tantos outros expoentes do jazz contemporâneo que, aliás, hoje em dia tem tantos nomes quanto um dicionário de nomes para bebês. Mas ele colocava isso pra mim quando eu tava no berço, aí o que acabou acontecendo: fui crescendo, ouvindo jazz clássico, velho, novo, contemporâneo, sem nunca parar, pois é. Acabei fazendo piano e hoje me divirto tocando meus jazzes contemporâneos e velhos. E aí, sei lá, deu no que deu.

4:06 da madrugada. Troquei o cd. Fiquei empolgado com o papo, coloquei o álbum favorito do meu pai naquela época, Breakout, de 1986, eu tinha 4 anos, olha só. Muito “anos 80”, mas foi a década que marcou o crescimento do Spyro Gyra nas lojas por aí. O grupo começou na década de 70 do século passado com alguns músicos jovens que se reuniam num barzinho em Buffalo, NY, nas inúmeras jams que aconteciam e ainda acontecem não só naquela cidade como em tudo quanto é canto, inclusive aqui. Aí num dia o dono do barzinho perguntou pro “líder” do grupo, Jay Beckenstein: “então, a gente precisa de um nome pro grupo, para escrever na plaquinha lá fora falando que hoje teremos música ao vivo, e aí?”

Aí o tal do Jay Beckenstein, saxofonista, acabou brincando: “Spyro Gyra”, de spirogyra, um tipo de alga verde. E acabou pegando. Sei que existem várias pessoas no planeta que acabaram odiando o saxofone por causa do Kenny G, o que, aliás, acho uma injustiça com o instrumento que nem tem culpa no cartório, mas o Spyro Gyra acabou aparecendo por aí, está entre os meus favoritos com o uso do sax, junto com o Michael Brecker que, ao meu ver, já faz muita falta nos dias de hoje no mundo do jazz. Lembro que meu pai comprava os LPs em Ribeirão Preto e em São Paulo porque só aparecia por lá esse tipo de coisa. Eram quase que os “pais” do smooth jazz, um dos subgêneros do jazz contemporâneo que até hoje ninguém sabe definir muito bem, mas ao leigo, interessa saber que é uma mistura curiosa de jazz, R&B, funk e em alguns casos, até mesmo a música pop. E nem ele escapou, o rock. E aí chegou o grupo de Buffalo e pronto, inventou o “jazz rock”, um smooth jazz salpicado com rock.

Não é preferência de todo mundo não, o Spyro Gyra. Passou o tempo eu acabei entrando em contato com tantas outras coisas que tecnicamente podem até ser consideradas superiores ao Spyro Gyra, mas não dá, Spyro Gyra me lembra quando era criança. Foi a primeira vez que ouvi, ainda bem criança, o vibrafone. Meu deus, o que era isso, o vibrafone, era demais…

Falando aos apreciadores do jazz, em especial do jazz fusion, as peças do Spyro Gyra nem são absurdamente complexas recheadas com virtuoses não. O que vale pro grupo é a construção dos arranjos, sim, os arranjos, a combinação e execução de vários instrumentos de maneira elaborada, coordenada previamente na partitura com o uso de rítmica, contraponto e harmonia. Se você acabar conseguindo uma música que seja do Spyro Gyra (exceto as gravadas das Jam sessions do começo da carreira do grupo) vai notar que não existe muito espaço para improvisação, está tudo escrito na partitura, tudo metricamente marcado no pentagrama. Se você ainda tiver um pouco mais de paciência, gaste seus minutos prestando atenção na maneira como cada instrumento “conversa” ou “dialoga” com o outro graças, aham, é claro, ao tal do arranjo. Aí fica fácil, parece que o tempo nem passa.

Ah sim, para fãs de Pat Metheny, Mike Stern, Brecker Brothers e tantos outros, Spyro Gyra soa até mesmo “chato demais”, velho, atrasado. Besteira. Os álbuns recentes seguem a mesma receita de bolo dos primeiros álbuns, ok, tudo na partitura, nada de improviso. Aí eu pergunto aos paranóicos pela virtuose: e qual o problema disso? Sinceramente – e falando também como músico – eu ainda não entendo qual é essa tara pelo virtuosismo no jazz principalmente… Como diz meu irmão, também músico, “calma lá, a música também tem que respirar um pouco”. É, o cara até que está certo.

No começo dos anos 90 apareceu o primeiro CD Player aqui em casa. Era do meu pai. Aí o primeiro CD que apareceu aqui, dei de presente pra ele, adivinhe de quem era? Aham, Spyro Gyra, “Fast Forward”, o primeiro álbum do grupo em Compact Disc, essa tecnologia que na época era absurdamente assustadora. E olha o título do CD que engraçado, é nome de um dos botões que fica do lado do “play” aí. E eu praticamente gastei aquele CD aqui no CD Player. Quase destruí o CD Player e o primeiro CD do meu pai. Mas é notável, neste álbum o grupo realmente tinha mudado muito a cara de “anos 80”, já estava flertando com vários outros estilos musicais, já entrava de maneira mais consistente a salsa, os sintetizadores Yamaha chegavam em um novo nível (é, muitos também odeiam os sintetizadores por conta dos anos 80, outra injustiça com os pobres coitados).

4:24 da madrugada, tocando “Whirlwind”, um flerte ligeiro com uma salsa, sem sair do tal do jazz rock. E ainda existem alguns que dizem que o jazz rock é filho do jazz fusion… Longa história… Falar de música é um grande problema. E nem é lá tão fácil assim expressar as sensações que a música causa nas pessoas através de um texto em prosa, desordenado, bagunçado e chato como esse aqui, que vai e volta no tempo. Pelo menos algumas das minhas lembranças eu acabei falando e, devido ao poder virtual e ilimitado do botão “play” do meu computador, eu pude controlar o tempo por aqui.

4:45 da madrugada. O tempo passou, pelo menos para o relógio. Aqui voltou no “Wrapped In A Dream”. Está na hora de partir, vou deixar você dormir. Convido você, leitor do Ao Sugo, a contar para nós alguns dos momentos quando você conseguiu controlar o tempo assim. É, pode usar o “play” aí.

Estamos de volta.

Victor Hugo

5 comentários sobre “Aperte o Play, por favor

  1. Adorei o texto!!

    Quero desejar ao Sugo muitos anos de vida…q vcs dois possam escrever muito mais…apesar de alguns assuntos…rsrs Mas eu tento!!

    Beijos meninos…

  2. Bá…
    É isso ai, minha primeira vez no blog mas, já estou devorando o cardápio todo 🙂
    Parabéns;
    e sobre o Spyro Gyra, lembro dos EP’s que meu bisavó deu de presente pro meu avó antes de morrer, lembro que meu avô ouvia com a família toda reunida na sala…

    🙂 parabéns pelo Blog!

  3. É isso aí, Victor!

    A gente aperta o Play e rola um Rewind espaço-temporal. Uma Pause exitencial!

    De tanto medo que um grande bug tecnológico me impedisse de entrar nessas naves espaço-temporais resolvi aprender a ler partitura. E se houver escassez de papel??? Ay, caramba; vou ter de treinar muito minha memória musical!

    Adorei a conversa!

    um abraço da cris

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