
Resolvi trazer para vocês mais uma breve resenha sobre um excelente livro que, na minha opinião, deveria ser lido por todos (mesmo que a maioria não vá entender, infelizmente). É uma leitura curta, mas nem por isso fácil ou rápida. Até porque trata de vários assuntos e é uma leitura bastante densa. Grande parte do interesse está justamente em expor problemas contemporâneos que levam a problemas futuros mas que a maioria das pessoas nem se dá conta. A fome de devoração de informação e a sobrevalorização do avanço tecnológico são apenas duas das facetas que o livro apresenta e discute. Enfim, vamos seguir caminho.
O livro A Bomba Informática consiste numa coletânea de ensaios acerca da guerra da informação publicados na imprensa entre 1996 e 1998. Nele, o filósofo e crítico da mídia Paul Virilio demonstra a formação da aldeia global mcluhaniana a partir da “mundialização” (um nome mais propício à globalização, segundo o autor) e da Web. Crítico ferrenho da cultura de massas, usando exemplos reais, análises de discursos e atos de dirigentes das nações e do mundo (em especial os Estados Unidos), Virilio apresenta o estreitamento das dimensões geográficas entre países e temporais entre gerações pela digitalização do mundo na guerra informacional.
Por meio destas diminuições dimensionais, o autor fala a respeito da perda da noção do real e da vivência pelo imagético e informático; vindo em mente logo a lembrança da Galáxia de Gutenberg, mas ao invés do homem “tipográfico” de McLuhan, talvez seja mais pertinente, no escrito de Virilio, ater-nos a um homem “informático”. De certo modo, porém, através dos bombardeios de (des)informações a que somos submetidos, e da evolução daquilo que o autor chama “tecnociência” – que seria uma ciência sem a sua significância romântica, da descoberta, mas sim a ciência, com base na semiótica, como objeto de valor descritivo de si mesma; ou seja: a ciência pelo avanço da ciência – poder-se-ia dizer, com base na teoria de Umberto Eco, além da classificação de Virilio como apocalíptico, que caminhamos a semelhante idolatria de Flusser, do viver para as imagens (Flusser sempre alegou que nós antes vivíamos em função dos textos, a textolatria, e que agora vivemos em função das imagens, a idolatria), mas que poderíamos chamar de uma “tecnolatria”, do viver para e pela a tecnologia; ou melhor, a tecnociência.
Na tecnociência, o autor diz que somos vítimas de um “avanço regressivo”, além do desenvolvimento informacional, pelo motivo de agora buscar explorar a interioridade do limitado mundo em que vivemos, e do próprio ser humano. Por causa disso a biofísica, transgênese e mapeamento genético surgem como ciências imanentes, posto que antigamente era ocupado pela astrofísica. Nesse aspecto, ele se aproxima muito dos dizeres de Peter Sloterdijk, em seu livro (escrito a partir de uma palestra) Regras para o parque humano, onde, numa resposta à carta de Heidegger sobre o Humanismo, traz uma discussão interessante acerca dos destinos do humanismo com as especulações sobre a genética e suas manipulações ao cargo que atingem ou atingiriam hoje, chamando essa biofísica de “antropotécnica”. Ainda, o filósofo alemão discorre sobre uma relação justamente do humanismo com os elementos midiáticos.
Mas apesar de ser um apocalíptico; ou ao menos poder ser classificado como tal, em A Bomba Informática, Virilio procura ver as conseqüências da informatização pela qual o mundo passa nestes dias. Intimamente ligado à cultura de massas, a informatização desenfreada, a bomba informática por si e a guerra da informação banalizam o indivíduo e levam a uma padronização; um processo de “acriticização” da massa, tornando, como o próprio adjetivo subentende, de fato uma massa informe, mas criada, que banaliza os fatos e analisa tudo de forma superficial.
Com a supressão das dimensões reais, geográficas e temporais, em virtude de uma imediatez de informações, de uma interação adimensional, cai-se numa terminologia tão comum que já não nos apercebemos da sua formação: a junção de dois abstratos essencialmente opostos e que não deveriam estar conjunção: a “realidade virtual” (como ser “real” e “virtual” ao mesmo tempo?). Assim, sem as dimensões, mergulha-se num “Cibermundo”, sem distâncias e sem tempo, no qual não mais agimos, mas interagimos, onde os satélites midiáticos, apontados para nós como a ameaça dos mísseis nucleares dos pólos ocidental e oriental na Guerra Fria, vigiam-nos a todo tempo num circuito de vigilância, controlados, num paralelo ao mundo orwelliano, pelos “Grandes Irmãos”, os senhores da guerra da informação, através de um sistema panóptico de controle.
Enfim, a digitalização do mundo tem causado uma perda de identidade, o desaparecimento do “local” pelo “global”. Perdendo seu sentido de auxílio à humanidade, a tecnociência desumaniza e padroniza, e substitui a vida e o senso do real, através de uma “tecnolatria” doentia e irrefreável; e através de A Bomba Informática, Virilio demonstra seu inconformismo frente a essa realidade perturbadora.
Que não nos tornemos criaturas sem-face frente à telas digitais, conectados e totalmente avessos ao mundo sensível.
Marcus Vinicius Pilleggi
Nota: Paul Virilio nasceu em Paris, em 1932, sua mãe era inglesa, e seu pai um comunista italiano. Em 1939, ele parte para o porto de Nantes, de onde vislumbra os horrores do Blitzkrieg de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Após treinar na Ecole de Metiers d’Art em Paris, ele se torna um artista de vitrais e, ao lado de Matisse, trabalha em várias igrejas francesas.
Em Paris, Virilio se formou arquiteto e urbanista, e se tornou professor emérito na École Spéciale d’Architecture de Paris, e diretor de estudos dessa mesma instituição de 1973 até 1998. Também em 1973, ele se torna diretor da revista L’Espace Critique depois de publicar seus primeiros trabalhos de filosofia. Estudou Fenomenologia na Universidade de Sorbonne, e em 1989 se tornou diretor do Colégio Internacional de Filosofia, em Paris.
Além de arquiteto, urbanista e filósofo, Virilio também é ensaísta e crítico da mídia, tendo enorme reconhecimento nessa área e sendo comparado, em teóricos, a filósofos e críticos da cultura como Gilles Deleuze e Jean Baudrillard.
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