Um bom dicionário definiria a cibernética como o estudo da comunicação e controle das máquinas, grupos sociais e seres vivos. Ultimamente, o estudo das máquinas autônomas tem delegado um sentido à cibernética, dentro da ciência, que se assemelha às conceituações notificadas em literatura ou cinema de ficção científica; neste tipo de visão, a cibernética é não só a relação, como a junção dos aspectos homem-máquina, gerando figuras conhecidas do “panteão” da ficção, como andróides e ciborgues.
Não que esta visão esteja totalmente errônea; afinal, não deixa de se ter uma relação de comunicação entre homem e máquina, que influi justamente na melhoria ou otimização dos seres vivos e gerando até mesmo grupos sociais, ou mesmo criando, artificialmente, “vida”. Essa cibernética ficcional é notável e tem como grande exemplo os “Replicantes” da célebre obra cinematográfica de Ridley Scott, Blade Runner, de 1982, estrelando Harrison Ford no papel principal do caçador Rick Deckard. O filme é baseado no livro Do Androids Dream of Electric Sheep?, que no Brasil saiu com a tradução O Caçador de Andróides, de Philip Kindred Dick. Até porque se traduzíssemos ao pé da letra, ficaria bem esquisito: algo como “Andróides sonham com Ovelhas Elétricas?” – o que evidentemente faz sentido de acordo com a própria narrativa, considerando ainda o costume hipnótico de “contar ovelhas”. Quer dizer, a idéia é “andróides contam ovelhas elétricas?”. Se você ainda não entendeu, minha Nossa Senhora da Bicicletinha, pense: Andróides sonham? Se agora caiu a ficha, parabéns, pequeno gafanhoto; se não, então que os deuses tenham piedade de sua alma infame. Mas enfim… A propósito, só para esclarecer, os Replicantes não são “robôs”, e sim “humanos” criados geneticamente. Essa genética, entretanto, abrange e faz parte da cibernética por ser otimização anatômica pela manipulação de genes; o que, a grosso modo, faz com que sejam artificiais.
Aliás, aqui convém dizer que Blade Runner não é uma adaptação do livro, realmente é apenas “baseado” nele. Para quem tem a curiosidade, outros filmes baseados em contos ou romances de Philip K. Dick são Total Recall (no Brasil, O Vingador do Futuro, de 1990 e com Arnold Schwarzenegger – eu tive que pesquisar pra saber como escreve o nome do Governator, sério), Minority Report: a Nova Lei (de 2002 e estrelado por Tom Cruise), O Pagamento (de 2004, com Ben Affleck) e O Homem Duplo (uma animação de 2006 com Keanu Reeves; aliás, este eu ainda não assisti, mas estou muito curioso). Philip K. Dick foi um dos maiores precursores (se não for O maior) do gênero cyberpunk.
Paul Virilio, célebre autor apocalíptico em relação à indústria cultural, toca em seus ensaios que compõe seu livro A Bomba Informática nos aspectos da cibernética. Ele denomina a ciência atual como tecnociência, que seria a ciência sem seu significado romântico de descoberta. Na tecnociência, além do desenvolvimento informacional, teríamos já um “avanço regressivo”, no sentido de agora explorar a interioridade do limitado mundo em que vivemos, e do próprio ser humano. Virilio fala da decadência da astrofísica, dando lugar à imanência da biofísica, mapeamento genético e humanidade transgênica. Essa transgênese não deixa de ser, em certo modo, uma espécie de cibernética, já que a otimização dos genes humanos pode até ser considerada um pequeno passo na direção dos “homens-biônicos”, no sentido de que não são, em essência, “naturais”, mas sim modificados para serem melhores, mais fortes, inteligentes e rápidos.
O medo apocalíptico é que a comparação entre o humano e a máquina atinja um nível preocupante; o fato de existirem em desenvolvimentos máquinas que demonstram emoções é, em verdade, um tanto perturbador. Cientistas já conseguiram e conseguem desenvolver inteligências artificiais capazes de criar outras inteligências artificiais de forma totalmente autônoma, sem a intervenção humana. Pensando de forma apolíptica, não tardaria tanto assim para chegarmos aos Replicantes de Blade Runner; e o pior, atingir um nível de tecnologia na criação destes Replicantes ao ponto de fornecer-lhes memórias (como o próprio Philip K. Dick discute e demonstra em sua obra) chegando ao extremo de as próprias máquinas não perceberem que são máquinas.
Então, é razoável deduzir que a visão científica da cibernética e, por que não dizer, a própria ciência, deveria ser menos arrogante e não tentar recair na tecnociência de Virilio, para que não se chegue ao ponto de termos, entre nós, os Replicantes de Blade Runner que não sabem que são Replicantes ou robôs meninos emotivos como em A.I. Inteligência Artificial que desconhecem sua natureza artificial. Que não nos esqueçamos, nós, a ciência, a cibernética e comunicação, que o mundo é feito de humanos, e não de máquinas, para que não cheguemos ao extremo de nos tornar blade runners para “caçar” essas “criaturas”.
Marcus Vinicius Pilleggi
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Assisto Blade Runner 1982…quase todas semanas….
Tenho o LP do filme até hj guardado em minha estante….